«(...) A história [...], a milhas do terror de Edgar Allan Poe, conduz-nos também ao imenso universo dos rifões populares. O Grande Livro dos Provérbios, do saudoso José Pedro Machado (ed. Círculo de Leitores, 1997), dedica 66 das suas 608 páginas a provérbios começados por quem. (...)»
Quem gato procura, cannabis encontra. Dito assim, parece um provérbio, dos muitos que alimentam o imaginário popular. Mas não. Na verdade, é uma operação policial. O caso pode parecer bizarro, e logo numa semana em que o Brexit nos tomou de assalto as notícias e o resto, mas pode servir de mote a algumas derivações. Até porque a história foi contada no Facebook da própria PSP e animou as sempre animadas redes sociais. Conta-se depressa: chamada por uma moradora de Faro a acudir a um «intenso e insistente miar de um gato», a PSP foi no encalço do bicho, embrenhando-se numa habitação devoluta. Os guardas, como nada encontrassem, foram subindo até ao telhado. E encontraram o gato? Não. Mas avistaram, num telhado próximo, uma plantação de cannabis. O resto adivinha-se. Foram até lá e detiveram o alegado dono da plantação, cidadão português. Do gato, nem sombras. A história, até porque mete polícias, lembra imediatamente O Gato Preto, de Edgar Allan Poe. Também se conta depressa. Um homem pegou num machado para matar o seu gato, que odiava, mas a mulher impediu-o; enfurecido, matou-a a ela e depois emparedou-a na adega. O gato, entretanto, desapareceu. Durante uma rusga policial à casa, o homem bateu na parede da adega a provar que ali não havia nada. Azar dele: o gato miou. Ficara ao pé do cadáver...
Mas a história de Faro, a milhas do terror de Poe, conduz-nos também ao imenso universo dos rifões populares. O Grande Livro dos Provérbios, do saudoso José Pedro Machado (ed. Círculo de Leitores, 1997), dedica 66 das suas 608 páginas a provérbios começados por quem. Alguns muito actuais: «Quem a faz que a pague», «Quem gasta mais do que tem a pedir vem», «Quem faz o que pode não fica a dever», «Quem mal diz mal ouve», «Quem semeia ventos colhe tempestades», etc. O último da extensíssima lista serve para tudo: «Quem zomba também morre». Verdade a que escapa o gato, pouco dado a zombarias mas fatal no seu miar.
In jornal Público de 1/07/2016. Manteve-se a norma anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.