Em artigo de opinião publicado no jornal português "Diário de Notícias" em 12/4/2017, Maria de Lurdes Rodrigues, professora do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa e ex-ministra da Educação (2005-2009) em Portugal, identifica as especificidades do ensino do português em países como Cabo Verde, Angola, Timor-Leste ou Moçambique.
Em Cabo Verde, o português é língua oficial, mas não é língua materna para a maioria dos seus cidadãos. O mesmo acontece em Angola, em Timor ou em Moçambique. Estes países enfrentam, por essa razão, enormes dificuldades no ensino do português. Para grande parte dos alunos, o contacto mais intenso e continuado com o português faz-se apenas aos 6 anos, quando chegam à escola. Tudo é ainda mais difícil porque não se trata apenas de aprender a falar, a ler e a escrever uma língua que, para todos os efeitos, é uma segunda língua. Trata-se também de, logo no primeiro ano, aprender em português, isto é, numa língua pouco conhecida para as crianças, todas as outras matérias, da matemática ao estudo do meio e às expressões.
Ensinar a ler e a escrever uma criança que não fala português porque é outra a sua língua materna requer metodologias e técnicas de ensino diferentes das que são usadas no ensino de crianças que já falam a língua, ou para as quais o português é a primeira língua.Isso é, aliás, o que acontece com o ensino de qualquer língua. Por exemplo, os nossos alunos em Portugal aprendem inglês, isto é, aprendem a falar, a escrever e a ler inglês de forma diferente daquela que é usada para ensinar os alunos ingleses.
Porém, isso não acontece no ensino do português nestes países, sendo de facto enormes as dificuldades enfrentadas pelos professores e pelos alunos. Não acontece porque essas metodologias e materiais de ensino não tinham sido desenvolvidas e não estavam disponíveis até há pouco tempo. Os programas de ensino de português nesses países foram por isso definidos a partir dos existentes em Portugal.
Os referenciais para o ensino de português como língua não materna, ou como língua segunda, ou ainda como língua estrangeira, foram homologados pelo Ministério da Educação há cerca de dez anos, com bastante atraso em relação a outras línguas muito faladas no mundo, como é o caso do inglês ou do espanhol. Desde então, em várias das nossas universidades tem crescido o número de cursos de formação de professores de Português para Estrangeiros. Têm sido também produzidos e publicados manuais e outros manuais pedagógicos destinados ao ensino tanto de crianças como de adultos. Tal crescimento tem permitido, em primeiro lugar, responder de forma mais eficaz às necessidades do nosso sistema de ensino que, em todos os níveis de escolaridade, do primeiro ciclo à universidade, é hoje frequentado por milhares de alunos de diferentes origens e nacionalidades, que precisam de aprender o português. Tem, também, permitido ao Instituto Camões inovar nos seus polos de ensino de português no estrangeiro.
Porém, onde este tipo de metodologias de ensino e materiais pedagógicos pode fazer a diferença e ser de grande utilidade é nos países onde o português é língua oficial mas não é língua a primeira língua materna. Sobretudo naqueles em que há uma aposta séria na democratização do ensino, na inclusão escolar da maioria das crianças, independentemente da sua origem social. Se já é difícil ensinar a uma criança uma segunda língua com o sucesso requerido para que a partir de então essa seja a língua da sua aprendizagem escolar, mais difícil ainda é fazê-lo tendo como objetivo esse sucesso para todas as crianças.
O futuro do português como língua mundial joga-se, verdadeiramente, em países como Cabo Verde. Países que, sem complexos, têm sabido distinguir o acessório - o método - do objetivo, isto é, a aprendizagem, por todos, com sucesso, da língua portuguesa. Portugal pode ter um papel muito importante, apoiando estes esforços através da capacitação dos professores e da disponibilização de meios técnicos e pedagógicos.
Texto publicado no jornal português Diário de Notícias em 12/4/2017.