Edno Pimentel relata uma situação de uso da palavra "câmbria", variante não normativa de cãibra (texto original publicado em 27/02/2014 no semanário angolano Nova Gazeta).
É uma questão que foi colocada a um médico. Vivi tinha constantes contracções musculares. Mal se sentava, fosse em que posição fosse, vinha logo a “maldita” contracção. «Parece até que sou a única, doutor», chorava de desespero.
«Não minha filha, fique descansada, porque não és a única com este problema. Muitos passam por isso só que, por desconhecimento ou por desleixo, ignoram. Até médicos também têm esse problema, simplesmente não consultam os especialistas», explica o doutor.
Se bem me recordo, a ‘câmbria’ é um problema de âmbito nacional. Nas províncias por que passei encontrei gente, muito boa gente, a padecer dessa doença, se é que assim a podemos considerar. Num encontro de duas horas a que fui convidado recentemente, para falar de ‘word-splitting’ (divisão de palavras), a directora da escola, que era uma líder religiosa de peso, também “apanhou ‘câmbria’. Segundo a freira, “isso acontece sempre que se distrai e se mantém na mesma posição durante algum tempo”.
Mas com a Vivi, não. Não importava o lugar, a hora nem a companhia do momento. Mais tarde, após algumas sessões de fisioterapia, o médico apercebeu-se que aquele era também um problema experimentado pelos pais dela e aproveitou para deixar algumas recomendações.
Não levou muito tempo para se sentirem as mudanças. As contracções musculares constantes desapareceram, mas uma nova palavra surgiu: cãibra.
«Por que será que temos essa ‘câmbria’?», pergunta Vivi ao médico. «Não sei, minha filha. Não sei. O meu professor dizia que "era a forma mais fácil que as pessoas encontraram para expressar algo difícil, pois cãibra tem origem germânica (kramp) e, por isso, é que o próprio alemão é também uma língua difícil".»
O problema da palavra cãibra assemelha-se (mais ou menos) ao [de outras palavras com os ditongos ui ou ei, como muito, circuito, gratuito, veículo, etc., ditas como se fossem acentuadas no i – ´muíto’, ´circuíto’, ´gratuíto’ – ou no e – ‘vêiculo´].
Outros textos de Edno Pimentel sobre o português de Angola
in semanário Nova Gazeta, de Luanda, publicado no dia 27 de fevereiro de 2014 na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.