Para que serve estudar os fenómenos de evolução da língua? Ana Martins responde em mais um artigo do semanário Sol.
Consta do programa do 9.º ano: «Descobrir (sic) algumas formas históricas ou recentes de mudança da língua; observar (sic) palavras em que ocorram alguns processos de evolução fonética.» O que isto quer dizer, provavelmente, é que os alunos devem dominar noções básicas de etimologia.
Na maioria dos casos, estas indicações resultam em dois pares de aulas, caídas do nada, dedicadas aos «fenómenos fonéticos», prescritos nos manuais escolares e tomados como óleo de fígado de bacalhau.
E, no entanto, não há nada mais motivador no estudo da língua do que perceber que de um único radical latino ou grego é possível explicar a formação de dezenas de palavras…
Veja-se o caso do particípio passado latino natus (nascido), em português, nato, presente na expressão «artista/político nato»; há também inato (innatus, «nascido dentro», cognato (cognatus, «que nasceu juntamente») e, claro, Natal, natalidade, nativo…
Mas há ainda a palavra nado, da expressão «nado-vivo»/«nado-morto». Porquê a presença do som [d] em vez de [t]? Por causa de um fenómeno fonético (a sonorização) que consiste na transformação das consoantes mudas ([p], [t], [k]) intervocálias em consoantes sonoras ([b], [d], [g]). Por isso é que, no sardo, Natal se diz Nadale e, no catalão, Nadal, por exemplo.
E quem diria que a palavra nação também está metida neste rol? Nação vem de natio, «local onde se nasce», tendo ocorrido o fenómeno fonético de lenização, ou seja, a transformação de um som oclusivo (produzido com uma total obstrução da passagem do ar pela boca) num som fricativo (produzido por uma fricção). Daí a presença de nation em francês e em inglês…
Afinal, esses tais fenómenos fonéticos são simplesmente a chave para seguir no encalço dos laços e das ramificações genéticas entre palavras de uma mesma língua e de várias línguas.
Artigo publicado no semanário Sol de 27 de Dezembro de 2008, na coluna Ver como Se Diz.