« (...) É a língua portuguesa riquíssima de vozes onomatopaicas, que são as que imitam os sons naturais das cousas que representam; de onde o grande efeito produzido por estas vozes; porque o mesmo é ouvi-las, que conceber a ideia das cousas que significam, e, ainda mais, imaginar que as temos presentes. (...)»
Pôr aqui tôdas as palavras onomatopaicas que possuímos, fôra cousa tão ociosa como impertinente; – mas também não nos podemos eximir de dar a conhecer algumas, e serão as que neste momento nos ocorrem e estão a saltar dos bicos da pêna. [Por exemplo:] trovão, estalo, zabumbo, sonido, có, estoiro, assobio, baque, tromba, batuque, rugido, barulho, catimplora, traquitana, choto, rufo, gorgeio, ronco, zurro, estrondo, zum-zum, estampido, cèga-rega, zeribanda, sussurro, zão-zão, ruge-ruge, pincho, zapetrape, catrapuz, algazarra, trombeta, trabuzana, gargalhada, trabuco, berimbau, trinque, borbotão, fuga, estalido, ribombo, matraca, rincho, berro, tombo, fragor, sarrido, rojo, ruído, jôrro, trote, frágua, rixa, rusga, charanga, urro, traquinada; – grasnar, gralhar, grunhir, roncar, bramar, latir, rosnar, uivar, zurrar, bufar, ganir, relinchar, urrar, chiar, rugir, berrar, coaxar, zumbir, balar, regougar, cacarejar, rodar, romper, rasgar, roçar, escarrar, tossir, arrastar, ranger, serrar, serrafaçar, roer, estrugir, remar, bradar, raspar, frigir, ressonar, zurzir, chotar, estalar, sorver, estrabuchar, esfregar, zonchar, tufar, soprar, azoinar, esganiçar-se, zunir, rojar, resmungar, resingar, renhir, fungar, serrazinar, traquinar, etc.
As palavras designativas de objectos que não produzem som, imitam o que naturalmente se lhes deve atribuir. – Neste número se compreendem os nomes próprios dos gigantes, que não tendo voz alguma natural, por serem figuras imaginárias, se lhes atribui, contudo, uma voz rouca, medonha e espantosa, designativa da grandeza, robustez e brutalidade de indivíduos de tal espécie. – Daqui os nomes de Dramusiando, Buzarcante, Albazarco, Barrocante, Albarroco, e outros muitos de que estão cheios nossos livros de Cavalaria.
As cousas ásperas e escabrosas, pôsto-que destituídas de som, podem ser imitadas com bastante propriedade e verosimilhança; e, de ordinário, o são, per meio de palavras compostas de sílabas cuja aspereza nos representa a crespidão e escabrosidade dos objectos que significam; tais são, por exemplo: garra, estrepe, farpa, rama, recife, rocha, franja, ardor, furor, ruínas, raíz, cardo, urze, brejo, xarroco, ferro, brenha, tronco, fraga, barranco, garfo, serrilha, sarro, esturro, cerdas, trago, crosta, sarna, rebarba, recorte, sêrro, caverna, barroca; ríspido, crespo, árduo, amargo, crestar, franzir, arrepiar, escarçar, frizar, serrilhar, ruminar, cardar, farpar, torrar, arder.
As palavras designativas de um movimento trémulo, ou de coisas que o produzem, ou em que indefectivelmente o contemplamos, imitam o referido movimento per meio de uma articulação vibratória, que nos faz sentir no ouvido a trepidação de que essas palavras nos querem dar ideia, tais são: tremor, tremura, frio, receio, tarântula, riso, raiva, horror, torrente, mar, reflexo, tôrno, rotação, trôpego, frígido, trépido, vibrar, rutilar, tremer, raiar, correr, rir, etc.
As palavras em que se repete a mesma inflexão de voz, são imitativas da repetição do mesmo movimento, e também das cousas que oscilam, ou em que se dá qualquer movimento deambulatório, incerto, ou de dúvida; v. gr.: bambinela, bambolina, barbatana, caranguejo, tataranho, tiroteio, zão-zão, tatibitate, gangão, basbaque, zigue-zague, zigue-zigue, vai-vem, bule-bule, beberete, tefe-tefe, tira-tira, meche-meche, palpitante, atarantado, bambolear, trastejar, tatarenhar, dedilhar, etc.
As que teem relação com garganta, compõem-se da raiz gh, profundamente gutural, que imita o som que esta inflexão produz no mesmo órgão; por exemplo: gargalhada, gargalejo, gola, gargantilha, gana, gasnata, gula, garrote, garrotilho, gole, gargantão, guloso, engulho, gosmar, engasgar-se, engolir, etc.
Cf. Lista de onomatopaicas + Onomatopeia + Empáfia + Nome dos sons de animais (vozes dos animais)
Extrato do artigo do autor, O Português vem da língua latina, e não da céltica, transcrito do terceiro volume da antologia Paladinos da Linguagem (edição Aillaud e Bertrand, Lisboa, 1921), organizada por Agostinho de Campos. Manteve-se a grafia e respetiva norma originais.