O estudo da deixis instaura uma nova abordagem dos fenómenos linguísticos. Ana Martins dá um exemplo em mais um artigo publicado no semanário Sol.
Com a entrada em vigor da TLEBS (agora designada por Dicionário Terminológico), a comunidade escolar tomou contacto com novos termos linguísticos. De entre eles, constam os termos "deixis" e "deíctico". Desde então, temos recebido no Ciberdúvidas perguntas variadas visando estes termos. Do texto da pergunta percebe-se quase sempre a conclusão prévia: se, afinal, os deícticos são pronomes, para que é que foram inventar mais uma classe? Porque é que não podemos continuar a chamá-los de pronomes? As respostas começam sempre por desfazer dois equívocos: nem os deícticos são só pronomes, nem os pronomes são todos deícticos. A seguir, pede-se ao consulente que esqueça as classes de palavras e que pense nisto: porque é que, por exemplo, numa convocatória tem de se dizer: «Reunião de delegados, dia 12, no anfiteatro» e nunca «Reunimo-nos amanhã aqui»? Porque há palavras que têm um sentido "pré-feito" e outras que só se sabe para que coisas, pessoas ou espaços remetem se tivermos acesso à situação em que são proferidas. A situação de interlocução é a noção fundamental para fazer a divisória entre os deícticos e os não deícticos. Eu/nós e tu/vós são palavras que referem os próprios agentes da interlocução; ele/eles são os que não participam na enunciação e, nesse sentido, estão fora da comunhão interlocutiva.
Mas agora pergunta o leitor: que interesse é que isto pode ter para pôr as pessoas a falar e a escrever melhor? Tem, antes de tudo, interesse para pôr as pessoas a compreender melhor o que ouvem e lêem.
Toda a gente sabe como o uso da palavra está associado a um potencial sucesso eleitoral. O que talvez não se saiba tão bem é que, muitas vezes, está em causa o uso de uma palavra apenas.
«Nós, europeus», frase do cartaz e título do livro do candidato Vital Moreira às europeias, é uma fórmula votada a um muito maior sucesso se comparada com «O povo europeu», apesar de uma e outra formulação reterem, na essência, o mesmo significado. Isto porque nós é deíctico e povo não é. Nós é a palavra que engloba o destinatário na acção de dizer (e, já agora, de fazer) alguma coisa.
A pertinência da fórmula decorre, justamente, de toda a gente saber que é ao contrário, que a Europa, o Governo, o Estado, o Poder são eles.
artigo publicado no semanário Sol, na rubrica Ver como se diz, de 9 de Maio de 2009