«Na língua, quem deve a quem? Os portugueses devem cobrar juros por terem cedido o português [ao Brasil]? Ou os portugueses têm de pagar salário a quem tão bem cuida da menina dos seus olhos?» Crónica do jornalista português Ferreira Fernandes, publicada no Diário de Notícias de Agosto de 2010, sob o título original Sucesso incrível de exportação lusa.
Em Novembro de 2001, capa da revista brasileira Veja: «Falar e escrever, eis a questão.» Esta semana, 451 capas depois, Veja volta à carga: «Português: falar bem é vital.» Lembro aos distraídos [portugueses]: a revista Veja não é o Jornal de Letras lá do sítio, vende mais de um milhão de exemplares. É como as [portuguesas] Sábado e Visão, sim, também fala de lipoaspirações (foi capa na semana passada), mas, semana vai, não vai, farta-se de regar aquilo que é o seu ganha-pão. Isso, o português. E não é mania dessa revista só. O professor Pasquale é personalidade nacional por aquilo que ensina nas colunas da Folha de São Paulo e de O Globo, rádios e televisões. Ele nasceu numa impronunciável Guaratinguetá e é filho de italianos, mas o assunto que o tornou famoso, já adivinharam, é o português. Agora que os negócios Portugal-Brasil saltaram para as manchetes, apetece perguntar por esse produto primacial da relação. Na língua, quem deve a quem? Os portugueses devem cobrar juros por terem cedido o português? Ou os portugueses têm de pagar salário a quem tão bem cuida da menina dos seus olhos? Porque recriava a língua, Rubem Braga dizia: «Confesso, escrevo de palpite.» Estava a fugir aos juros, sugerindo que a língua portuguesa ele não a contratou, era ele. Eu também fujo de pagar à Veja pelo orgulho que me dão aquelas capas. Este é um raro negócio com dois lados a ganhar muito.
In Diário de Notícias, de 8 de Agosto de 2010.