No tempo em que saltava à corda (um dois três… salta!) e jogava ao elástico (um… esquerda, dois… direita, três… meio), tinha de saber a tabuada de cor. Cantava uma canção monótona que me embalava e que a professora acompanhava, marcando o compasso com uma pequena cana (que era uma batuta e nunca verdasca): dois vezes um dois, dois vezes dois quatro, nanana naa, nanana naa… lalala laa. Sempre gostei da melodia.
Nesses tempos, tudo era levado muito a sério. Vamos construir um boneco de castanhas? Vamos! Vamos ensinar aqueles meninos a jogar à macaca? Sim! As crianças envolviam-se em todas as atividades de corpo e alma. Tudo era feito de modo empenhado e convicto. Mas nunca de forma engajada. Recebíamos muitos elogios pela nossa participação ativa, mas nunca ninguém mencionou o nosso engajamento.
Engajado, engajador, engajamento, engajar. Esta é uma família de palavras que não faz parte da minha infância. E ainda bem. Lembro-me de como me senti orgulhosa quando a professora (ainda não havia storas) elogiou o meu empenho naqueles pobres versos primeiros: «Querida mãe, és a mais linda de Santarém!» Imaginem como me sentiria se ela tivesse louvado o meu engajamento como poetisa.
Há palavras feias que, por muito que se esforcem, não parecem conseguir cumprir a missão de elogiar. Engajar soa a “tornar gajo (ou gaja)” e essa família de sonoridades não tem nada de poético. É feia, é grosseira…
A língua é um espaço de afetos e tantas vezes de musicalidade e é por isso que me recuso a falar do engajamento de alguém ou mesmo a informar que uma empresa está a engajar técnicos. Prefiro referir o envolvimento, o empenho, a dedicação, a convicção, e dizer que está a recrutar, a contratar, a alistar…
Felizmente, na minha infância não havia engajamento e ninguém engajava pessoal. Deste modo, a música pôde manter-se harmoniosa até hoje: nove vezes um nove, nove vezes dois dezoito, lalala laa… É bonito, não é?