Edno Pimentel
As particularidades do português de Angola passam a ter um espaço próprio em O Nosso Idioma através da colocação em linha das crónicas do "Professor Ferrão", assinadas por Edno Pimentel e publicadas no jornal Nova Gazeta, de Luanda. Neste primeiro texto apresentado no Ciberdúvidas, o tema é o verbo manter, usado em Angola como sinónimo de contrair uma relação conjugal, ou seja, de casar.
– Nunca mais te vi. Pensei que já manteste!
– Adivinhaste. Já manteu mesmo.
Num pedido para onde tinha sido convidado, a conversa que vigorava era (da parte da noiva): «Como é o noivo?»«O que é que ele faz?»«Não tem mesmo filhos nem mulher?». E por aí. Do lado do noivo, ao qual eu era mais chegado, ouvia-se: «Com essas unhas compridas, vai cozinhar como o funje?» «Ela é sim bonita. Vão se entender bem.»
Quando uma tia e duas sobrinhas se cruzaram, algo chamou a minha atenção e, se calhar, a de outros ouvidos sensíveis.
Tia: «Nunca mais te vi. Pensei que já manteste!»
Uma das sobrinhas: «Adivinhaste. Ela já manteu mesmo».
Não se pode condenar ninguém por cometer um erro. De facto, poder ser uma falha não convidar um familiar chegado para um pedido. Sobretudo quando depois de MANTER começam a ter problemas de conjugação a dois.
MANTER não é fácil. Provém do latim manutere («ter na mão»), pode significar:«sustentar»,«observar», «cumprir»,«conservar», «ficar», etc. Em Angola, é comum usar-se este verbo com o sentido de «contrair uma relação conjugal».
Se dividirmos a palavra, ficamos com man-, de um lado, e -ter, do outro. Restar-nos-á, apenas, conjugar este último.
Presente do indicativo: Eu tenho; Tu tens; Ele(a) tem….
Pretérito perfeito: Eu tive; Tu tiveste; Nós tivemos; Eles (as) tiveram. À sua semelhança, é conjugado MANTER.
Por isso, a próxima vez que a tia quiser saber se alguém já MANTEVE, deverá ter calma, porque nem todas as sobrinhas que MANTIVERAM a convidaram. Acreditem. Já mantive várias conversas com elas sobre pedidos. Elas MANTINHAM-SE caladas.
Ver também: Sobre o uso do verbo manter (Angola)
22/02/2013
In jornal Nova Gazeta, de Luanda (Angola). O título é da responsabilidade do Ciberdúvidas