O papel da cor na produção de referência — um artigo de Ana Martins no semanário Sol de 23 de Maio de 2009.
Já se sabe que as cores estão associadas a valores e sensações: vermelho — amor, laranja — energia, verde — esperança, azul — tranquilidade, violeta — religiosidade, etc. É natural que assim seja, dado que a cor é a propriedade mais imediata dos objectos (e também das pessoas, segundo os racistas).
Porém, estas não são convenções linguísticas, são apenas atribuições vigentes numa comunidade cultural mais ou menos alargada. A língua vai muito para além disso. Usa as cores para formar palavras de modo surpreendente: o branco tem pouco de puro no processo de branqueamento (de capitais, de políticas), assim como o preto era a alegria do poeta em «pretidão de Amor», nas endechas de Camões. Vermelho é adjectivo, mas «(o) vermelho» é nome, e ambos têm como variante «(o) encarnado». Variante, sim, mas nem sempre, porque vermelhos são os comunistas e encarnados são os benfiquistas…
Depois há as expressões fixas: massa cinzenta, carta branca, arma branca, ter uma branca, ouro negro, ouro sobre azul, preto no branco, sorriso amarelo, ficar verde, ficar de todas as cores…
A necessidade de categorizar novas realidades não pára — e lá vêm as cores: já havia a lista negra, mas a OCDE criou a lista cinzenta para colocar nela 38 países que não cumprem cabalmente com as regras relativas aos paraísos fiscais. A Reserva Federal dos Estados Unidos publicou o Livro Bege, um relato dos primeiros sinais de ressurreição da economia americana. Por cá, o nosso Governo fez o Livro Branco e o Livro Verde das relações laborais, e o povo espera por poder sair deste romance negro sem ter de se envolver em grandes mudanças.
Artigo publicado no semanário Sol, na rubrica Ver como Se Diz, de 23 de Maio de 2009.