«(...) Os erros decorrentes de parônimos mal empregados indicam insuficiência na leitura e pouca habilidade para discernir entre conteúdos semânticos de alguma forma aparentados. A percepção de um elo entre a forma escolhida e a que o aluno queria expressar mostra que ele fica a meio caminho entre o acerto e o erro, e muitas vezes tem uma vaga noção do que pretendia dizer. (...)»
Um dos problemas graves em redações de vestibulandos é a falta de rigor no emprego das palavras. As falhas por inexatidão de sentido prejudicam a coerência e, nos casos em que constituem repetições indevidas, comprometem a progressão do texto. Em razão delas geram-se enunciados contraditórios e por vezes ininteligíveis. A impressão que se tem é a de que o aluno ouviu o galo cantar, mas não soube onde, tal a distância entre a palavra escolhida e a ideia que ele queria transmitir.
Um dos fatores que concorrem para isso é a escolha errada entre dois parônimos. Parônimas, como se sabe, são palavras que se assemelham pela pronúncia. As gramáticas citam exemplos como os de infligir e infringir, intemerato e intimorato, eminente e iminente; nesses pares, a semelhança fônica faz com que não raro se troque um dos vocábulos pelo outro.
A análise das redações, quanto a esse aspecto, nos leva a uma interessante constatação: os parônimos tanto induzem ao erro, quanto aparecem como alternativas para suprir o vazio de um pensamento que não encontra a sua forma. O que o aluno escreveria, por exemplo, se não lhe ocorresse usar consistência em lugar de constância numa frase como: «É preciso evitar a ‘consistência’ com que isso ocorre»? Dificilmente optaria por um termo mais preciso, como frequência; o mais provável é que não formulasse o juízo que formulou.
A existência do parônimo se constitui num recurso para que ele tenha dito o que disse, abeirando-se muitas vezes do sentido adequado. A semelhança sonora entre os vocábulos demonstra que ele tinha uma vaga ideia do que constância significa – tanto que pensou estar usando essa palavra quando escolheu a outra.
O uso inadequado dos parônimos decorre basicamente de uma confusão formal, mas isso não significa que o fator semântico não concorra para a troca dos termos. Entre constância e consistência, afinal de contas, não deixa de haver um parentesco metonímico; quem é constante demonstra alguma consistência interior.
O mesmo ocorre nas passagens abaixo, retiradas também de redações de nossos alunos:
«Estas indagações são feitas pela sociedade, que muitas vezes se ‘contradiz’ ao avanço da medicina»; «São pais ‘antiquários’, que prendem demais os filhos»; «A força da moda ‘encucou’ nos consumidores esse padrão por ela estabelecido?; «Ninguém é capaz de transformar algo tão nobre e verdadeiro em algo ‘maquinário».
As trocas às vezes têm efeito paradoxal ou cômico. Ao confundir constância com consistência, no contexto da frase citada, o aluno atribui valor a algo que pretende evitar. O que é consistente não deve em princípio ser rejeitado, ou seja, a escolha da palavra indevida gerou uma falha de coerência.
Não é preciso ser antiquário («vender ou colecionar antiguidades») para prender muito os filhos; geralmente quem faz isso são os pais caretas, antiquados, que se recusam a acompanhar a evolução dos tempos. Mas não há dúvida de que existe um elo semântico entre as duas palavras; os antiquários lidam com objetos antigos, e para os jovens antiguidade e caretice muitas vezes se equivalem.
É frequente a troca de contradiz por contrapõe, e do verbo inculcar por encucar (esse último vocábulo, por sinal, está muito próximo do universo dos adolescentes). O curioso nessa troca vocabular é que a ideia de «meter na cuca» (cabeça) não está longe do sentido pretendido pelo aluno, que se refere à «lavagem cerebral» promovida pela moda. Já o termo maquinário, transformado em adjetivo, constitui uma extensão indevida de maquinal.
Os erros decorrentes de parônimos mal empregados indicam insuficiência na leitura e pouca habilidade para discernir entre conteúdos semânticos de alguma forma aparentados. A percepção de um elo entre a forma escolhida e a que o aluno queria expressar mostra que ele fica a meio caminho entre o acerto e o erro, e muitas vezes tem uma vaga noção do que pretendia dizer.
Um dos desafios para quem ensina redação é levá-lo a perceber as razões dessa troca, explicitando o vínculo entre as duas formas em jogo. A partir daí será possível melhorar seu desempenho como leitor e produtor de textos.
Texto divulgado no mural de Facebook de Língua e Tradição a 3 de junho de 2023 (disponível aqui e transcrito com a devida vénia).