A televisão ligada cumpria a sua função de companheira quase ignorada, mas esta, orgulhosa e convicta, prosseguia, informando sobre números e acontecimentos. Meia hora de débito ininterrupto de informações e alguns vazios e a minha atenção centrada noutros assuntos. O monólogo solitário do jornalista destinado ao fado de banda sonora ininteligível. Longe vai o tempo em que as nossas avós conversavam com os apresentadores: «Agora, silêncio, filha, que o senhor da televisão aparece sempre a esta hora para conversar um bocadinho. Não lhe posso fazer a desfeita. Vê como ele olha para mim!» Os tempos evoluem e os senhores da televisão têm de ser criativos se querem merecer uns segundos da nossa cada vez mais ocupada atenção.
Naquele dia, eis que o jornalista, cansado de me ver renegar a herança genética, resolveu vingar-se e atirou com a frase: «E para terminar, deixo-vos com a impactante ave-maria que cantaram ao Papa.» Xeque-mate! Aquilo ficou nos ouvidos. Não foi a ave-maria, foi mesmo o impactante. Adjetivo, colocado antes do nome, a marcar toda a subjetividade … e tão feio! Quatro sílabas de som desagradável: im-pac-tan-te! Seria mesmo um elogio? Só podia ser uma exploração da expressividade da antítese. Impactante a contrastar com a beleza da ave-maria. Mas, não, parece que não…
O adjetivo impactante está por todo o lado: «um policial impactante», «uma decoração gira e impactante», «o impactante mundo real», «um vinho branco impactante», «o impactante carvalho», «um Natal menos impactante», «um ensaio impactante», «o decote até ao umbigo impactante», até «a transferência do Cristiano Ronaldo é mais impactante que a de Le Bron».
Impactante tem origem no verbo impactar, um derivado de impacto, que vem do latim impactus, «impelido contra». Todavia, o adjetivo percorreu um longo caminho na conquista de novos significados, que foram muito além do que está dicionarizado e deixaram para trás os sentidos negativos, preferindo o esplendor da apreciação positiva ou mesmo muito positiva. Assim sempre que é preciso dizer muito bem de algo, impactante é a palavra que lhe falta!
Responsável por uma sinfonia dissonante, o feio adjetivo é, assim, colocado ao serviço de belas avaliações positivas, que sublinham o forte efeito causado pelo objeto apreciado. E onde ficaram adjetivos como maravilhoso, espantoso, extraordinário, impressionante, grandioso? Airosos e bem mais aprazíveis.
«Ó avó, vem cá, o senhor está a dizer palavras feias!»