Intriga-se o nosso leitor Pedro Ferreira com a indefinição semântica dos verbos evocar e invocar: ora parece que uma palavra rouba o significado à outra, ora que uma e outra significam a mesma coisa…
Evocar e invocar têm origem no mesmo verbo latino vocare (de vox, voz), que significa chamar. E é justamente este o primeiro significado que os dicionários apresentam, quer para uma quer para outra palavra.
Em latim, evocare tem o significado de «mandar vir alguém ou algo, tirar, requisitar»; evocatio era a palavra usada para dizer «convocação dos soldados». Invocare significa «chamar por socorro, pedir protecção aos deuses».
Agora olhemos para os prefixos: e- exprime a ideia de «movimento para fora»; in-, «movimento para dentro». Então, na essência, evocar é chamar, fazendo sair algo de alguma coisa; invocar é chamar, fazendo entrar ou integrando algo em alguma coisa ou situação.
Acresce que aquilo que se verifica na evolução semântica das palavras é que elas deixam progressivamente de referenciar aspectos do mundo concreto para passar a designar entidades e acções abstractas. Voltamos aos dicionários e confirmamos isso mesmo: evocar tem o significado de lembrar, recordar, ou seja, «retirar, fazer sair do passado um evento e trazê-lo para o presente»; invocar significa «pedir auxílio a, recorrer a, fazer entrar em cena alguém ou algo como adjuvante».
Os exemplos que encontramos nos jornais não fogem disto:
«Na cimeira UE-Rússia, o presidente russo evoca a crise de Cuba e fala do seu futuro político.» (Expresso, 26/10/07)
«Há um ano que Luísa Mesquita, eleita por Santarém, resiste a sair do Parlamento. O PCP invocou o acordo assumido com a deputada para a sua substituição (…)» (Sol, 24/10/07)
Pois é: o latim é língua morta, mas ainda podemos dar-lhe muito uso. Lá dizia o abade: «— Deve-se começar pelo latinzinho, deve-se começar por lá. É a base; é a basezinha!» (Eça de Queirós — Os Maias).
in Sol, 3 de Novembro de 2007