«Passou bem?» e «passe bem» são, com certeza, a mais simples salvação em Portugal, como escreve o escritor e cronista Miguel Esteves Cardoso, em crónica que transcrevemos com a devida vénia do jornal Público, do dia 15/06/2015.
Os encontros e as despedidas portuguesas são difíceis. Já não me queixo apenas do «tudo bem?». Quando é que tudo está bem? Nunca.
Gosto da economia e da beleza de «então?» mas quase ninguém gosta de usar uma só palavra.
As pessoas da minha geração perguntam «como está?» ou «está boa?» ou «está bom?».
Todas estas expressões são frustrantes e suspeitas, já que não escondem o automatismo da boa educação.
Para a geração dos meus pais era mais simples e mais bonito. Quando se encontravam, perguntavam «passou bem?» e, quando se despediam, exortavam «passe bem!».
Nesses tempos que até agora (por alguma razão muito boa) até um aperto de mãos, entendido como a garantia de uma amizade ou de um contrato, era conhecido como um «passou bem».
Passar e andar eram – e continuam a ser – os verbos da vida boa e bem vivida.
Quando alguém se atreve (com razão) a responder ao «passou bem?» com um «mal...» recebe logo a resposta certa: «isso é que é pior...»
Se responder (com ou sem razão) que «se vai andando», é imediatamente recompensado com um «isso é que é preciso».
«Passou bem?/passe bem!» é a melhor e a mais elegante combinação de verbos e advérbios.
Os encontros e as despedidas portugueses, à medida que vamos envelhecendo e vão nascendo e morrendo mais pessoas próximas de nós, vêem-se brutalmente acompanhadas pelas mais básicas, ordinárias e vulgarmente entediantes expressões.
«Passou bem?» e «passe bem» são, com certeza, a nossa mais simples salvação.
Sim. São.
Crónica de Miguel Esteves Cardoso publicada com o título Passou bem? no jornal Público, em 15/06/2015. Texto escrito, e publicado, segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida pelo diário português,