Celebra-se hoje [26 de Setembro] o Dia Europeu das Línguas. No sítio que o Conselho da Europa lhe dedica lê-se: «Estamos celebrando a diversidade linguística, o plurilinguismo e a aquisição de línguas ao longo da vida.» Será que em Portugal existe também motivo para celebrar a diversidade linguística? Penso que ninguém duvida de que na sociedade portuguesa convivem, actualmente, dezenas de línguas e culturas, e que a sua presença na escola tem colocado problemas a que Portugal não estava habituado. É por isso justificado que esses problemas se discutam amplamente e sem preconceitos, e não só no Dia Europeu das Línguas mas durante todo o ano. A diversidade linguística na escola portuguesa começou há décadas, mas tem aumentado em número de alunos e em quantidade de línguas diferentes nos últimos anos. Os professores revelam grande capacidade de criar estratégias que promovem o domínio do português nos alunos estrangeiros, mas estas questões têm de ser discutidas a nível nacional e devem beneficiar da experiência de países em que a imigração é uma realidade bem conhecida no contexto escolar.
No que se designa como diversidade linguística há que ter em conta dois aspectos: i) Sendo indiscutível que os alunos têm de dominar a língua portuguesa para terem sucesso escolar e consequente integração social, a escola tem de encontrar a melhor forma de desenvolver essa competência. ii) Por outro lado, há que considerar também qual o lugar que devem ocupar, na escola, as línguas maternas dos alunos.
No que respeita ao primeiro aspecto, a prática da oralidade e da escrita, a realização de exercícios, o desenvolvimento de projectos específicos, o conhecimento das possíveis influências das línguas maternas e inúmeras outras iniciativas dos professores têm sido postos em prática na sala de aula com efeitos muitas vezes positivos. O Ministério da Educação tem produzido orientações que podem ajudar os professores e as escolas a melhor resolver esta questão. No que toca ao segundo aspecto, não se conhecem realizações individuais nem uma perspectiva geral sobre a forma de tratar, na escola, as línguas maternas dos alunos cujas famílias imigraram para Portugal. Devem ser omitidas? Escondidas? Prestigiadas? Desprestigiadas? O seu uso deve ser estimulado? Podemos (ou devemos) criar na escola algum espaço dedicado às línguas maternas desses alunos? E como escolhê-las, se tal for exequível ou recomendável? Em Portugal não se tem discutido esta questão de forma alargada. Por isso, e perante a hipótese de se dedicar algum tempo às línguas maternas dos alunos presentes na aula, é natural que se pergunte: não haverá prejuízo para a aprendizagem em geral e para a aquisição do português que se introduza/se se introduzir o estudo de uma língua diferente? Pretende-se que os alunos (estrangeiros e portugueses) se tornem bilingues?
Vale a pena distinguir aqui três situações: i) a aprendizagem de uma língua estrangeira como o inglês, que funciona como um instrumento de comunicação válido para a socialização futura do aluno; ii) a aprendizagem da língua de um país estrangeiro numa escola que tem como um dos seus objectivos a ligação com o país de origem no que respeita à língua, à cultura e aos próprios programas escolares (este é o caso da escola alemã, do liceu francês, da escola portuguesa de Moçambique, por exemplo); iii) a introdução, no currículo oficial, de um espaço para o estudo de línguas maternas dos alunos provenientes da imigração. Em qualquer destes casos os alunos podem ficar a dominar as línguas que aprendem na escola, o que significa que poderão ser total ou parcialmente bilingues ou plurilingues – num mundo globalizado esta situação é frequente e desejável. Mais importante do que isso, porém, é o facto de os alunos terem um espaço para o estudo da sua língua. A presença na escola da língua materna contribui para o desenvolvimento cognitivo das crianças e para o reforço da sua identidade cultural. Além disso, esta é uma forma de não restringirmos o estudo das línguas à aprendizagem exclusiva do inglês e do português. O estudo do mandarim, do hindi, do crioulo ou do ucraniano tem as mesmas vantagens que o de qualquer outra língua para o desenvolvimento do raciocínio, da memória, da criatividade e da capacidade de expressão. Esta é uma forma de reconhecimento da actual situação de plurilinguismo e de diversidade linguística, uma oportunidade que não devemos perder de tornar a escola mais dinâmica e mais voltada para o futuro.
in Público, de 26 de Setembro de 2007