« (…) foi nessa minha ‘manta branca’ onde, num pequeno deslize, caiu a nódoa. “As minhas colegas foram poucas espertas ao tentar copiar.” (…)»
João foi meu aluno de português. Dava-lhe aulas particulares. Era muito inteligente e, honestamente, não precisava de um professor ao domicílio. Achava que era excesso de zelo por parte da mãe, dona Fátima. Um jovem, na época, de mais ou menos 16 anos. Tinha uma dicção invejável. Pudera. Passava grande parte do tempo a ver televisão, os melhores canais, lia dos melhores livros e conversava com os colegas da escola portuguesa, diga-se, muito bem posicionada.
Nunca precisei de lhe deixar tarefas para o dia seguinte. Àquele nível, o jovem resolvia-os na hora. Aliás, ele tinha, para as aulas, os mesmos livros que eu, como é obvio, salvo aquelas gramáticas complexas de Maria Helena Mira Mateus e as outras 12 mulheres. Que livro complicado!
Ele sabia usar a língua correctamente. Isso é que importava. Queria lá ele saber o que são adjectivos, advérbios, sujeito ou predicado? Nem pensar. Usava tudo direitinho. Mas foi nessa minha ‘manta branca’ onde, num pequeno deslize, caiu a nódoa. «As minhas colegas foram poucas espertas ao tentar copiar».
Longe de mim que por aí também houvesse apetência para cábulas. Pelo menos foi o que (me) disse o meu querido aluno. Se tivesse ficado por «entre as minhas colegas, são poucas as espertas», não haveria problema nenhum, pois ‘poucas’, neste caso, funciona como um pronome indefinido e, como tal, é uma palavra que pode variar em número e em género (pouco – poucos; pouca – poucas). P.e: «Tenho pouco tempo»; «Ela comprou poucos livros»;« Ele teve pouca sorte»; «Entre as minhas colegas, são poucas as espertas».
A palavra pouco, no entanto, para além de quantificador existencial, pronome indefinido, adjectivo, e até substantivo, também funciona como uma palavra invariável, como advérbio. Neste caso, ela não muda nem de género, nem de número. Trata-se de uma palavra invariável, como já referi atrás, em género e número, que funciona como modificador de sentido do verbo, adjectivo e, às vezes, do próprio advérbio.
A palavra esperta é um adjectivo e pouco, advérbio, aparece para lhe modicar o sentido. O oposto seria muito. Muda apenas o nome, substantivo. O advérbio mantém-se inalterável. Acho até que este é um assunto um pouco fácil, não? Ou poucos entenderam?
Crónica do autor publicada na sua coluna “Professor Ferrão” do semanário angolano Nova Gazeta, no dia 22/11/2018, escrita conforme a norma ortográfica em vigor em Angola, anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.