A História de Portugal é marcada por encontros e desencontros com povos de todo o mundo. Estes contactos foram deixando as suas marcas na língua portuguesa, que evoluiu incorporando palavras de origens diversas que designavam sobretudo realidades de um admirável mundo novo que se descobria (e que se continua a descobrir).
O contacto com outros povos propiciou a consolidação de perceções relativas às diferentes nacionalidades, raças e etnias com as quais os portugueses foram convivendo. Afinal, como eram os mouros e os judeus? E o que caracterizava os ingleses? Estas perceções, filtradas pela forma lusa de conceber o mundo, acabaram por se converter também em significações que traduziam uma avaliação de um dado povo e todos estes novos significados foram sendo incorporados pelos diversos gentílicos, que deixaram de significar apenas «natural de», passando, por exemplo, a descrever tipos estereotipados de personalidade. Deste processo de enriquecimento dos sentidos da língua nasceram expressões que hoje utilizamos com a naturalidade de quem não pensa no que elas encerram. Assim, agir à francês é ser hipócrita e fingido; ser como um judeu é agir de forma usurária ou avarenta, ao passo que ser um «judeu errante» é andar pelo mundo sem poiso fixo. Já uma italiana nada tem a ver com personalidade, pois mais não é do que um café expresso com pouca água.
A construção de estereótipos relacionados com povos, nacionalidades, etnias e raças levou a que muitos gentílicos e seus derivados adquirissem também a capacidade de descrever modos de vida e atitudes. Com efeito, mourejar é trabalhar sem cessar, ou seja, «trabalhar que nem um mouro». Os ingleses são, não raro, tidos como avaliadores de qualidade e elegância, logo «fazer uma coisa para inglês ver» é exibir algo que falso, centrado na aparência enganadora. Acresce que a elegância é britânica assim como a pontualidade. Por outro lado, ciganar significa levar uma vida errante e boémia e uma ciganagem é um ato de pedinchice com que se procura enganar alguém. Aquele que opta por fazer uma americanice adota uma atitude de ostentação, enquanto o que se gaba de fazer coisas que parecem impossíveis faz uma espanholada. Quem trata os outros com escárnio está a judiar e fazer uma judiaria também pode significar maltratar ou torturar alguém física e psicologicamente. Até os brasileiros são incluídos nesta descrição de opções de vida, uma vez que uma brasileirice é uma atitude de denguice ou de sensualidade. Se a vida oferece muitas dificuldades a alguém, este pode dizer que se «viu grego» para as vencer. Todavia, se a opção for a ostentação e a abundância é porque se «vive à grande e à francesa» e não esqueçamos que um «serviço à francesa» tem um cunho de elegância e requinte. Curioso é o facto de os franceses também poderem ser mal-educados como o demonstra a expressão «sair à francesa» que descreve o ato de sair às escondidas, sem se despedir.
Ainda o som das línguas e a tentativa de comunicar com outros povos levaram a que os gentílicos pudessem designar perceções sobre o linguajar. Nesta linha, uma italianada é uma linguagem confusa e difícil de perceber. E, quando não se compreende mesmo nada de uma língua ou de um assunto, diz-se que «isso é chinês».
Tantos povos, tanta história, tantas impressões e a língua para dizer tudo isto. Não com o rigor suíço, mas com a impressão portuguesa.