É mais fácil sermos surpreendidos negativamente pela forma como a língua portuguesa é tratada nos media do que o inverso. Mas quando isso acontece há que enaltecê-lo. Num artigo de Paulo Rangel, no Público, de 23 de outubro de 2012, na coluna intitulada Palavra e Poder, e a propósito do plano de assistência financeira a Portugal, pode ler-se:
«Independentemente de concordarmos ou não com ele e com os seus pressupostos, antolha-se crucial, no curto prazo, que revelemos “vontade” e "capacidade” de o aplicar.»
Confesso que não conhecia a palavra, ainda que pelo contexto lhe tenha facilmente intuído o sentido que confirmei depois nos dicionários. «Antolhar-se» significa, naquele contexto, «afigurar-se», podendo o primeiro dos verbos ser diretamente substituído pelo segundo sem perda de legibilidade. Etimologicamente, a palavra é formada pelo prefixo ante- + -olhar, ou seja, «diante do olhar», o mesmo é dizer «afigurar-se», «parecer-se». É palavra velhinha (séc. XIII) que tem como sinónimo antojar-se, vocábulo mais recente (1618) mas com uma etimologia rigorosamente simétrica, proveniente do castelhano (ante- + -ojar, isto é, «olhar»), o que mostra que o fenómeno das importações desnecessárias não é de hoje. Sempre aconteceu. Há até dicionários que apresentam «antolhar» remetendo para «antojar», o que pode indicar ser esta a forma mais disseminada.
Pela pesquisa que fiz, antolhar é um termo ainda usado na área do direito, onde muito provavelmente Paulo Rangel o terá ido beber. Propositada ou involuntariamente, por deformação profissional ou por simples conhecimento/erudição, releva-se o uso de uma palavra pouco utilizada que rompe com o português formatado que se escreve nos media.