« (...) Dos maridos veio o poder, talvez. Talvez tenha vindo dos maridos a ideia do que é o poder. Talvez tenha vindo da ideia do que é um marido a ideia do que é o poder. (...)»
Uma posse não é o mesmo que uma possessão, mas é quase. Ambas vêm do ato de possuir: coisas, pessoas, países. As ilhas Possessão, na Antártica, receberam esse nome quando o capitão James Clark Ross colocou uma bandeira britânica numa delas e as clamou como “posse” da Grã-Bretanha — mas dizer que as ilhas foram «possuídas» é dar espaço para muitas ambiguidades. Posse e possessão vêm do latim possidere, que ainda se parece com nosso possuir, e tem um sentido praticamente idêntico. Em latim, porém, existia também o verbo tenere, que dava conta da maioria das situações do possidere (como o nosso ter dá conta de muito o que se tem para possuir em português). O possidere surgiu na história como termo jurídico, usado sobretudo para se referir à posse de terras. No século 16, possession já era empregado em inglês para se referir às possessões demoníacas. Possidere costuma ser interpretado pelos linguistas como uma combinação de potis, «ter poder, ser capaz, ser dono de» e sedere, «sentar, sentar-se». Dito de modo simples: possuir é sentar no poder.
Mas é dessa sentada no poder que os caminhos se abrem: de possidere veio tudo aquilo que é «possível». Dito de modo simples: ter poder é ter possibilidades.
De possidere podemos ir mais longe: chegamos em *poti-, raiz do protoindo-europeu que significa «poderoso», «soberano». Essa raiz foi reconstituída a partir de palavras como patih, sânscrito para «mestre» ou «marido»; posis, grego para «marido»; pats, lituano para «marido»[1], e o latim potis, «ter poder». Dos maridos veio o poder, talvez. Talvez tenha vindo dos maridos a ideia do que é o poder. Talvez tenha vindo da ideia do que é um marido a ideia do que é o poder.
Mas dito de modo simples: não temos como saber.
[1 Apesar da disponibilidade de pats, a palavra vyras, também com o significado de «marido», é muito mais comum em lituano (comunicação do consultor Luciano Eduardo de Oliveira).]