«[...] Se as pessoas às vezes se isolam (isolar é tornar ilha), as línguas, essas, não são ilhas e raramente deixam de receber e oferecer palavras.»
A palavra portuguesa parece ter vindo do latim, mas por um caminho particular: a palavra insula acabou no catalão illa (plural illes, como em Illes Balears), saltou a península, e aterrou no galego e no português.
Porque importámos esta palavra do catalão? Não sabemos bem… O catalão foi muito importante na Idade Média, como língua principal de Barcelona e da Coroa de Aragão, e ouviu-se em muitas ilhas do Mediterrâneo — ainda se ouve, aliás, na Sardenha, para não falar das Ilhas Baleares, claro está. Mas como veio esta palavra parar precisamente ao lado da península que não está virado para o Mediterrâneo, a esta língua que vem lá do Noroeste? As histórias das palavras são assim, cheias de aventuras que se adivinham, mas cujo enredo se perdeu no ar em que as palavras se dispersam, quando não as escrevemos.
Por um caminho mais direto, sem sair da boca dos falantes aqui a ocidente da península, a mesma palavra latina veio a dar ínsua, com a habitual queda do [l] intervocálico — uma palavra que associamos a ilhas de rio.
A palavra ilha continuou a viagem para outras línguas — e ouve-se, por exemplo, em cabo-verdiano, onde ilha é «ilha». O cabo-verdiano é bem diferente do português, principalmente na gramática, mas tem muitas palavras parecidas. Enfim, se as pessoas às vezes se isolam (isolar é tornar ilha), as línguas, essas, não são ilhas e raramente deixam de receber e oferecer palavras.
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Na semana passada, na minha primeira viagem para fora de Portugal desde o início da pandemia, fui a Cabo Verde, para participar nas III Jornadas de Língua Portuguesa do Mindelo, organizadas pela incansável Prof.ª Sofia Santos, do Instituto Camões. Falámos muito sobre o português e estive muito atento para saber um pouco mais sobre o cabo-verdiano. Contarei mais noutra altura; hoje queria apenas agradecer a recepção no Mindelo, na ilha de São Vicente, dedicando à prof.ª Sofia e a todas as pessoas que assistiram às sessões onde estive — alunos e professores — este pequeno texto sobre «ilha». Muito obrigado!
Deixo ainda alguns artigos em que escrevi sobre o cabo-verdiano e outras línguas crioulas (e ainda um vídeo):
Qual é a origem da língua cabo-verdiana?
Uma língua à portuguesa nas Caraíbas?
Uma língua à portuguesa no Sri Lanka?
Apresentação sobre o português (e algumas palavras sobre o cabo-verdiano)
N. E. – Em 6 de dezembro de 2021, o autor publicou no mesmo blogue outro apontamento intitulado "Três línguas de Cabo Verde a Portugal", em que foca o importante tema da padronização do cabo-verdiano, em confronto com a situação de outros países onde também se falam duas ou mais línguas (Suíça, Luxemburgo, Irlanda).
Apontamento publicado em 1 de dezembro de 2021 no blogue Certas Palavras.