«Dignidade sempre» era o lema dos “dade”, uma família de ímpar magnanimidade, que habitava na Rua da Seriedade de um conhecido dicionário. O apelido “dade” era garante de criação de substantivos abstratos, que, naquela família em particular, se davam a significações de qualidade positivas. Sempre que um dos “dade” saía do dicionário para descrever um humano, um seu discurso ou uma sua ação, a honorabilidade da situação era inquestionável.
Como é evidente, este halo de glória fora construído laboriosamente pela família, que associava de forma brilhante a sonoridade dos seus nomes, que rimavam, aos sentidos edificantes, que combinavam as suas essências. O pai era a Integridade e tinha como missão legar a todos os seus descendentes o núcleo de significação familiar. A mãe, a Idoneidade, desde que uma nova palavra aparecia, logo se dedicava a ensinar-lhe a distinguir o bem do mal, ajudando-a a descobrir a sua aptidão. Devido a esta matriz familiar, todos os “dade” adotavam a honradez e a retidão como traços de significação permanentes. Ainda assim, cada membro dos “dade” fazia questão de desenvolver a sua singularidade. A Equidade, que gostava de se associar a situações na área do Direito, marcava a imparcialidade e a retidão da justiça. Também muito conhecida, a Lealdade era constantemente requisitada como atributo não só do foro sentimental como também das relações laborais. Já a Veracidade estava sempre pronta para se associar ao discurso ou à ação de alguém, marcando a importância da verdade. Não menos importante, a Humildade surgia sempre que alguém precisa de reconhecer as suas limitações ou mostrar respeito ou simplicidade.
Porém, nem todas as palavras que usavam o apelido “dade” no sufixo eram portadoras de significações de qualidade. Na Rua da Mediocridade, vivia uma outra família “dade” que se dedicava à vileza e à insignificância. Por lá, era possível encontrar a Vulgaridade, a Frivolidade, a Ociosidade, a Futilidade e até a Animalidade. Estas palavras tinham subvertido a herança de valores nobres dos “dade” sob uma capa de sentidos obscuros e viscosos. No entanto, não deixavam de ser muito apreciadas pelos humanos, cujas ações as convocavam com muita frequência.
Um dia, à família “dade”, a original, sempre tão perfeita e equilibrada, chegou a fatalidade. Nasceu um novo membro, que se apresentou como Lhaneza. Lhaneza?! O repúdio uniu os “dade”. Como era possível a família ter um membro sem o apelido “dade”? A mãe Idoneidade procurou explicar que o correto era considerar a significação, pois Lhaneza era sincera e verdadeira, como qualquer elemento dos “dade”. Mas ninguém quis ouvir as suas razões. A sonoridade dos “dade” estava comprometida pela baixeza de um sufixo “eza”! A Inaceitabilidade veio em defesa da causa e a Equidade, a Probidade, a Lealdade, a Benignidade, a Credibilidade, a Seriedade, a Integridade, a Dignidade e mesmo a Moralidade juntaram-se para expulsar a Lhaneza daquela família.
O mundo dos homens, que se diz em palavras, ressentiu-se, confundindo a aparência com a essência e deixando de saber qual a mais importante. Assim, nasceu o provérbio «Olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço» e os homens perderam a capacidade de se julgar e de julgar os outros. A máxima dos “dade” passou a ser “Sob uma capa de dignidade”.