«(...) [P]aíses tão distantes de Portugal quanto a Rússia, a Ucrânia e seus vizinhos passaram a estar do outro lado da rua, a pertencer ao nosso bairro, a fazer parte da nossa vida. O longe se fez perto e, por isso, acredito, efemérides como os Dias da Vitória na Europa e o da Europa ganham hoje um novo significado e vivemo-las de forma diferente. (...)»
Celebra-se a 8 de maio o Dia da Vitória na Europa (conhecido em inglês como V-E Day), que comemora o final da 2.ª Guerra Mundial na Europa, em 1945, após a derrota da Alemanha nazi pelos Aliados. Havia sido acordado pelos Aliados que a comemoração seria no dia 9, mas jornalistas ocidentais anteciparam a notícia e, como tal, a celebração. A data é, portanto, celebrada no Reino Unido e na França a 8, mas a União Soviética (e posteriormente a Rússia) manteve a celebração a 9 de maio e por isso as celebrações decorrem hoje, com todos os olhos postos em Moscovo.
Não por coincidência, a 9 de maio celebra-se também o Dia da Europa, instituído pelo Conselho Europeu de Milão em 1985 e celebrado pela primeira vez em 1986. Este dia foi escolhido por ter sido, em 1950, aquele em que Robert Schuman apresentou em Paris a que ficou conhecida como "Declaração Schuman", contendo as bases fundadoras do que é hoje a UE. Nela se destacavam os valores de paz, solidariedade, desenvolvimento económico e social, equilíbrio ambiental e regional e se incluía a criação de uma instituição supranacional incumbida de gerir as matérias-primas que, na altura, constituíam a base do poderio militar europeu, o carvão e o aço.
O Dia da Vitória na Europa passa em geral relativamente despercebido em Portugal. Mesmo tendo concluído uma licenciatura em estudos portugueses e franceses e ensinado francês no ensino básico, apenas comecei a ter consciência da importância destas datas, quando tive oportunidade de as passar em França e conversar com pessoas que haviam sido diretamente marcadas pelo conflito. Já o Dia da Europa, cuja primeira celebração coincidiu com o ano da entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia, é frequentemente referido na nossa comunicação social e conhece repercussão nas escolas do ensino básico e secundário, através de iniciativas concretas que visam promover entre os jovens os valores europeus.
Para muitas pessoas da minha geração e das anteriores, a Europa foi uma realidade distante, o que se refletia mesmo na língua do quotidiano, através de expressões como "ir à Europa" ou "emigrar para a Europa" (entenda-se por "Europa" qualquer país além dos Pirenéus), como se a Europa fosse espaço alheio ou continente a que não pertencíamos. Também por isso revisitar em 2022 o romance Jangada de Pedra, verdadeiro tratado de geopolítica em forma de alegoria, me parece tão oportuno. As gerações mais jovens são, creio, convicta e inequivocamente europeias (e poderão até ler com incredulidade as linhas anteriores).
A invasão da Ucrânia pela Rússia, a 24 de fevereiro, e todas as suas consequências fazem de nós, em 2022, cidadãos mais europeus, sejamos mais ou menos informados ou críticos relativamente à visão oficial dos acontecimentos, a que nos vai sendo servida pela comunicação social nossa de cada dia. De repente, países tão distantes de Portugal quanto a Rússia, a Ucrânia e seus vizinhos passaram a estar do outro lado da rua, a pertencer ao nosso bairro, a fazer parte da nossa vida. O longe se fez perto e, por isso, acredito, efemérides como os Dias da Vitória na Europa e o da Europa ganham hoje um novo significado e vivemo-las de forma diferente.
É difícil não tomar partido nesta guerra e mais difícil ainda é ignorá-la. Será muito difícil estarmos de acordo e não nos deixarmos polarizar. Mas é fundamental que as vozes divergentes não sejam silenciadas e as possamos continuar a ouvir e respeitar. É numa Europa sem mordaças que quero continuar a viver.