«(...) O desrespeito cresce de dia para dia e ninguém se preocupa e ninguém toma medidas. (...)»
Há professores que dão aulas até que a voz lhes doa. Atualmente, doem-lhes a voz, o corpo e a alma.
E mesmo que lhes doa tudo, que o corpo velho e cansado já não aguente, têm de ir trabalhar, aguentar insultos de alunos, aguentar pais irritados, desempregados, desesperados, papéis e papeladas, salas desarrumadas (faltam funcionários, ninguém os vê). Têm de amparar, têm de educar, têm de orientar. Ensinar? Foi para isso que estudaram. Então, sonham com as aulas perfeitas. Fazem ações de formação. Procuram receitas mágicas, soluções. Partilham experiências, desabafam frustrações. Pobres professores! Todos os dias amanhecem chuvosos...
Eu também sou professora e há tantos anos que já nem me lembro de não o ser.
Também a mim me dói tudo. E dói-me por aquilo a que me submeto e nunca imaginei, mas em nada comparado ao sofrimento de outros colegas, que ainda não conseguiram um horário completo, que têm de se deslocar para longe, que nem ganham o suficiente para pagarem o aluguer. Dou-lhes formação na área da Língua Portuguesa. Abro-lhes uma janela de esperança: sugiro-lhes novas estratégias, metodologias diferenciadas, caminhos alternativos. Semeio-lhes a réstia de mim que acredita nesta geração que não acredita nos livros. Falo-lhes da força da poesia e aposto toda a minha energia na análise de um texto, na perícia e na robustez da palavra, nas subtilezas da linguagem. Transformo as minhas aulas num palco, elevo a voz e conduzo-os até à magia da leitura na esperança de que acreditem na literatura.
No entanto, há um mundo real e é com ele a nossa luta. Nós, os professores, quantas vezes olhamos à nossa volta e vemos os que aproveitaram para adormecer, porque a noite foi longa nos jogos online. Os que decidiram insultar o professor, porque o enfrentou. Os que preferiram espreitar o telemóvel dentro do estojo ou aqueles que resolveram cortar aos pedacinhos a borracha, absortos num mundo de movimentos coloridos de “youtubers” que dizem «tipo» e «esquece» cinquenta vezes num espaço de cinco minutos.
Chegámos a um tal estado de saturação que vemos um professor a bater num aluno. Nunca deveria acontecer, caros leitores, nunca! Porém, mais arrepiante ainda é um aluno bater num professor, ameaçá-lo continuamente e ninguém tomar medidas para que isso não volte a acontecer. E o pior de tudo é que esse tipo de situações acontece cada vez mais e o desrespeito cresce de dia para dia e ninguém se preocupa e ninguém toma medidas. Parece ser uma situação normal a que todos nos habituamos! Mas não: nunca deveria acontecer!
Lamento que tenhamos chegado a esta situação: uma classe doente, desmembrada, envelhecida, cansada, desrespeitada, empobrecida.
Porém, caros leitores, estes professores sabem-no tão bem como eu. Sofrem, mas continuam. Lutam para que os seus alunos sejam os melhores. São professores, psicólogos, assistentes sociais, pais, avós. Ensinam e educam. Formam cidadãos capazes de enfrentar a vida.
Na verdade, olhando à minha volta e uma vez que sou mais uma, são estes colegas que me iluminam, que me dão força para continuar. São as suas mágoas, as angústias de quem tudo faz para que os nossos jovens aprendam que me mantêm neste caminho. São as experiências, as partilhas que me permitem traçar alternativas, compreender que todos somos pessoas com gente dentro, pessoas que dão o seu melhor numa profissão a que ninguém dá valor.
E estou nesta profissão porque sempre o desejei, por considerar que tinha de dar algo ao mundo, que tinha de partilhar tudo aquilo que aprendi e pelo respeito que tal profissão despertava em mim.
Se pudesse voltar atrás, voltaria a ser professora!
Se pudesse voltar atrás, seria aluna dos meus colegas professores!
Cf. Que havemos de fazer aos nossos jovens? Pais, ajudem os professores!
Artigo professora Lúcia Vaz Pedro assina na edição de 24 de outubro de 2019 do jornal português Público.