É um ditame constante das “novas” pedagogias: abordar as matérias indo ao encontro do tipo e do nível de saberes e interesses dos alunos.
Peço ao leitor o esforço de imaginar uma aula de Português. O professor dá início ao estudo de Os Lusíadas.
«Cessem do sábio Grego e do Troiano/As navegações grandes que fizeram.»
Quem são o sábio grego e o troiano? São Ulisses e Eneias, respectivamente.
Porque é que o poeta não disse logo os nomes deles?
Porque recorre a uma figura de estilo designada por antonomásia.
O professor aproveita para alargar este conceito.
A antonomásia consiste em designar uma pessoa através de um atributo — ou o contrário, isto é, referir uma qualidade através de um nome próprio (ou de espécie). Exemplo: dizer que alguém é um Tartufo para dizer que esse alguém é um hipócrita.
Os alunos mantêm-se inexpressivos.
Outro exemplo: dizer um “Don Juan” para referir um homem sedutor.
Os alunos permanecem sem reacção.
Ainda outro exemplo: dizer que fulano é um Dom Quixote para dizer que é um sonhador.
Alguns alunos começam a ficar impacientes e outros a falar para o lado.
Então o professor lembra-se de alguns títulos de jornais:
Por exemplo: «Figos e Cristianos Ronaldos do ténis-de-mesa apuram Portugal» (Público, 18/2/07); ou então: «Entrevista com Manuela Moura Guedes: "Considero-me uma rottweiler das notícias"» (DN, 14/02/08).
E pronto, a antonomásia “está dada”, adequando as estratégias às motivações dos alunos.
Se tocar entretanto, para acabar a aula, muito bem; caso contrário, vai ser um castigo voltar ao texto da epopeia: «de Alexandro e de Trajano/A fama das vitórias que tiveram»…
Artigo publicado no semanário Sol de 1 de Março de 2008, na coluna Ver como Se Diz