«Houve unanimidade e aclamação há 25 anos, quando foi criado o mirandês, houve palmas e regozijo há dois, quando o Governo disse que assinou a Carta. Mas até agora a necessária ratificação no Parlamento tem sido adiada. "Tanta unanimidade e apoio e no final andam todos esquecidos", ironiza Alfredo Cameirão.»
Há muitas diferenças entre a língua “fidalga”, o português, e a «língua das aldeias e dos homens do campo», o mirandês. Desde há 25 anos que o mirandês é reconhecido como segunda língua oficial em Portugal, mas mesmo que se escreva de maneira diferente, dois anos é muito tempo em qualquer língua. É por isso que o presidente da Associação da Língua e Cultura Mirandesa (ALCM), Alfredo Cameirão, não percebe porque é que a Assembleia da República está a demorar todo esse tempo a ratificar a Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias do Conselho da Europa, que o Ministério da Cultura anunciou ter assinado a 7 de Setembro de 2021.
Houve unanimidade e aclamação há 25 anos, quando foi criado o mirandês, houve palmas e regozijo há dois, quando o Governo disse que assinou a Carta. Mas até agora a necessária ratificação no Parlamento tem sido adiada. «Tanta unanimidade e apoio e no final andam todos esquecidos», ironiza Alfredo Cameirão.
Ratificar a Carta permitirá «a utilização da língua mirandesa em contextos e discursos institucionais e, permitirá, por exemplo, que se criem manuais escolares ou que se evite o arranque do ano lectivo sempre sem haver professores de mirandês colocados», enumera Cameirão.
Foi no arranque do ano lectivo, na passada sexta-feira, que decorreu a única iniciativa inédita com que se assinalou os 25 anos do reconhecimento do mirandês como língua oficial. Ainda assim, uma língua continuamente ameaçada com o pedido de extinção. Um estudo académico da Universidade de Vigo, realizado em 2020 e divulgado este ano, apontou para a existência de 3500 pessoas que conhecem o mirandês e cerca de 1500 que o usam com regularidade. E reitera que, sem medidas de protecção, a língua pode desaparecer nas próximas décadas.
A esperança reside na continuidade que lhe pode ser dada pela geração mais nova. E estes têm vindo a matricular-se na disciplina, mesmo que ela tenha carácter facultativo e esteja incluída nas actividades extracurriculares. No ano lectivo 2022/23, estavam inscritos 584 alunos no Agrupamento de Escolas de Miranda Douro. Destes, 439 escolheram a disciplina de Língua e Cultura Mirandesa para as suas actividades extracurriculares, o que representa 75% da população estudantil do concelho de Miranda do Douro. No ano escolar que agora começa, esperam-se números idênticos.
Para premiar essa resiliência, e para incentivar que ela continue, foi anunciado um novo prémio de mérito escolar. Os dois melhores alunos a concluírem o 12.º ano, e tivessem vindo a inscrever-se na disciplina de Língua e Cultura Mirandesa, poderiam ganhar o prémio «Uma semana com tudo pago» na Frísia, uma região na Holanda onde há uma língua minoritária europeia reconhecida, o frisio. «E onde de facto há um Estado empenhado e comprometido em preservar e proteger uma língua minoritária», diz Aníbal Fernandes, patrocinador deste prémio em conjunto com a mulher, Vera Schmidberger.
Aníbal Fernandes diz que o prémio é uma «forma de homenagear o povo mirandês, que tem conseguido durante séculos guardar este importante património linguístico», e também um incentivo aos alunos para que se mantenham motivados a aprender, e a usar, «aquele que é o principal elemento diferenciador da Terra de Miranda».
Este prémio junta-se ao já existente prémio Amadeu Ferreira, um dos principais autores que contribuíram para a sua divulgação, e que faleceu precocemente em 2015. O prémio é monetário, é dividido por todos os alunos que concluam o 12.º inscritos na disciplina de Mirandês. Este ano lectivo, os alunos do 12.º ano deverão receber, no fim do ano, cerca de 120 euros. «É uma pequena ajuda, mas é sobretudo um sinal importante de que vale a pena continuar a estudar mirandês e continuar a língua das terras de Miranda», referiu o director do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro, António Santos.
Não será pelo prémio monetário nem pela semana com tudo pago que os alunos das escolas de Miranda se continuam a matricular numa disciplina que tem carácter opcional e está incluída no âmbito das actividades extracurriculares. «Quem se matricula no Mirandês está a acrescentar pelo menos uma hora por semana ao horário escolar, é alguém que decide continuar numa sala de aula quando podia estar no recreio ou ir mais cedo para casa», diz Cameirão, que felicita os professores pelo entusiasmo que continuam a incidir nos alunos.
Emílio Martins é um dos principais responsáveis por cativar – e manter – os alunos que todos os anos se continuam a inscrever na disciplina de Língua e Cultura Mirandesa leccionada nas escolas do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro. «Eu acho que os alunos se inscrevem por incentivo dos pais, ou por gosto em continuar a língua dos avós», começa por explicar Emílio, admitindo, também, que cabe aos professores «reinventarem-se todos os anos», porque ensinam os alunos desde a pré-escola até ao 12.º ano, sem manuais, sem programa, sem apoio. «Ano após ano, temos de mudar alguma coisa, temos de estar sempre a inovar, a criar ferramentas didácticas diversificadas», diz Emílio Martins, que dá aulas na escola de Sendim desde 2007 e é licenciado em História pela Universidade do Porto.
Trabalho publicado no jornal Público no dia 17 de setembro de 2023. Mantém-se a ortografia de 1945.