Mobilização maciça contra o ódio à língua catalã - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Mobilização maciça contra o ódio à língua catalã
Mobilização maciça contra o ódio à língua catalã
A política linguística do governo das Ilhas Baleares

«A OCB, coincidindo com o fim da “Correllengua” – uma grande corrida popular não competitiva que, organizada pela associação juvenil “Joves per la llengua” («Jovens pela língua»), envolveu a grande maioria das localidades da ilha e na qual os corredores e corredoras deslocaram-se entre os centros carregando uma chama acesa que parte do santuário Lluc, simbolizando a reivindicação e a vitalidade da língua catalã – convidou os cidadãos a reunirem-se no dia 5 de maio na Plaza Major de Palma

 

Num artigo publicado há menos de um ano em Sin Permiso, e intitulado Viragem à extrema direita nas Ilhas Baleares, escrevi: «Um aspeto muito importante do pacto PP-VOX é a articulação de um plano de ataque em linha à língua das Ilhas Baleares, o catalão. Uma linguagem que exige uma intervenção decisiva dos poderes públicos para evitar o seu gradual desuso social. Por esta razão, a política linguística que visa promover a utilização da língua catalã nas Ilhas Baleares é um elemento fundamental da nossa autonomia. O referido plano de ataque não tem outro significado senão encorajar o discurso de ódio e a descoesão social, e negar o direito ao atendimento em catalão na administração pública, na saúde, etc.» Desculpem-me por começar estas linhas citando-me, mesmo que seja para me corrigir. A verdade é que nos escassos dez meses de governo autónomo do PP (cada vez mais sequestrado e confortavelmente metabolizado no fundo – embora disfarçando na forma  com as «guerras culturais» e os discursos de ódio da VOX), eles não desenvolveram um convencional "plano de ataque". O que lançaram foi uma nova tentativa de eliminar a língua catalã nas Ilhas Baleares. Enfim, um novo Decreto de Nueva Planta.

A escalada do ódio é vertiginosa: a eliminação da exigência de o pessoal de saúde pública ter um conhecimento mínimo de catalão, isto é, um ataque aos direitos linguísticos dos pacientes. A que se acrescenta a incapacidade do governo regional do PP em esclarecer a questão de saber se esta exigência será também eliminada para todos os funcionários públicos regionais; a supressão no organograma governamental da Direção Geral de Política Linguística que, durante décadas, e seguindo o mandato do Estatuto de Autonomia das Ilhas Baleares, implementou, com maior ou menor entusiasmo, ações públicas de promoção e promoção do catalão. Pelo contrário, para escândalo da ciência sociolinguística e do mais básico senso comum, já foi apresentado o projeto da acordada agência para a defesa do espanhol. Este projeto foi temporariamente retirado devido à acumulação de erros técnico-jurídicos que o Vox cometeu na sua elaboração. Não se trata de um simples episódio, já que o pacto PP-Vox estabelece que será a extrema-direita que dirigirá este “chiringuito” [«bar de praia»] para (re)espanholizar as Ilhas Baleares (sic).

Nesta escalada de ódio à língua vernácula das Ilhas Baleares há uma questão fundamental e transcendental: a aprovação pelo governo do plano de segregação linguística no sistema educativo. Como salientaram todos os especialistas, este plano não visa melhorar – mesmo que modestamente – o sistema educativo do ponto de vista dos recursos pedagógicos. O único objetivo é reduzir a presença do catalão nas escolas. O referido plano é hipocritamente apresentado como voluntário. É o conceito de voluntariedade – tal como o de “liberdade” – do direito dos nossos tempos: voluntariedade e liberdade face ao aprofundamento da desigualdade. Um oxímoro que consiste em incluir no «clube dos livres» aqueles que não têm – ou são precários – as condições materiais para exercer esta suposta liberdade. No caso em apreço, as escolas que aplicam a segregação linguística receberão um extra não negligenciável em recursos económicos, enquanto aquelas que exercem a liberdade de dizer «Não à segregação!» serão punidos. Existe uma linha muito ténue entre a segregação linguística e a segregação por classe social, e a linha entre a suposta voluntariedade e o desvio de mais recursos públicos para escolas convencionadas é inexistente. Acrescentemos que o Conselho Escolar das Ilhas Baleares – órgão consultivo e representativo do ensino não universitário –, como praticamente toda a comunidade educativa, rejeita categoricamente este plano de segregação linguística e social.

Este é o pacote de medidas contra a língua catalã lançado pelo governo autónomo, mas há mais: os dos Conselhos Insulares (uma espécie de deputações eleitas diretamente que têm poderes-chave em cada uma das ilhas), de conselhos municipais importantes como o da capital, Palma, ou o do populoso município turístico de Calvià. Até, surpreendentemente, a Casa Real Espanhola se juntou a esta cruzada de ódio ao catalão.

Com efeito, num exercício de terraplanismo, poucos dias antes da grande mobilização convocada pela Obra Cultural Balear, o rei Felipe VI concedeu o título Real à Academia da Língua Balear. Ou seja, os Bourbon apoiam um pequeno grupo de extrema-direita que, durante muitos anos, defendeu que a língua das Ilhas Baleares não é o catalão. É como se a coroa reconhecesse oficialmente que, por exemplo, a língua dos andaluzes não é o castelhano, mas sim o andaluz ou o sevilhano, ou o malaguenho, etc. O escândalo foi tal que até o PP se abstém de fazer um pedido institucional de verdadeira retificação.

Em todo o caso, o grave da questão é que Felipe VI toma esta decisão consciente do que faz e com intuito obscurantista: conhece bastante a realidade de Maiorca porque, desde que nasceu, é um dos ocupantes do Palácio Marivent em Palma; sabe que os ataques contra a unidade da língua catalã são ataques contra a sua força e reconhecimento; e tem consciência de que recompensa a extrema-direita que o aplaude nas ruas todos os verões. E, ainda por cima, a Família Real tem a audácia de justificar esta planificação linguística com base em alguns supostos relatórios e pareceres técnicos que recusa a tornar públicos! Alguma dúvida sobre as simpatias da monarquia espanhola para com a extrema-direita e sobre a falta da mais básica transparência? Nenhuma! Nem parece haver dúvidas sobre a determinação da maioria social, resumida da seguinte forma: não se toca na língua catalã, nem na sua unidade.

Perante este panorama, há meses começou uma reação social de fundo: nasceu uma plataforma de cerca de 30 organizações da comunidade educativa; as t-shirts verdes reaparecem e a Assembleia de Professores, que foi fundamental na anterior “Rebelião Verde nas Ilhas Baleares”, é reativada; a Obra Cultural Balear ( OCB ) – entidade líder na defesa do catalão e que nunca falha na mobilização dos cidadãos – está a aquecer ao aumentar o tom das reivindicações. O seu presidente, Antoni Llabrés, – recentemente eleito, aliás – exerce e consolida uma liderança social inquestionável e muito alinhada com a história e trajetória da OCB. É dele a frase «Perquè el nostre amor a la llengua ia Mallorca és infinitement més fort que el seu odi» («porque o nosso amor pela língua e por Mallorca é infinitamente mais forte que o ódio a ela»), que se tornou um slogan desta etapa em que «resistiremos na defesa desta terra contra a pilhagem ética, social, cultural e ambiental porque, como disse o Chefe Seattle em 1855 ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce: «A Terra não nos pertence, nós pertencemos para a terra».

E chegamos à grande mobilização. A OCB, coincidindo com o fim da “Correllengua” – uma grande corrida popular não competitiva que, organizada pela associação juvenil “Joves per la llengua” («Jovens pela língua»), envolveu a grande maioria das localidades da ilha e na qual os corredores e corredoras deslocaram-se entre os centros carregando uma chama acesa que parte do santuário Lluc, simbolizando a reivindicação e a vitalidade da língua catalã – convidou os cidadãos a reunirem-se no dia 5 de maio na Plaza Major de Palma. O apelo, apoiado por um grande número de associações da sociedade civil, partidos políticos, sindicatos, etc., superou todas as expetativas. Mais de 40 000 pessoas mobilizaram-se com uma forte presença de jovens encorajadora. Diante da multidão, o presidente da OCB levantou o que para mim é uma ideia-chave do seu discurso combativo: dirigindo-se à presidente do governo autónomo, afirma «tem que escolher […] Ou está com a maioria social do Maiorca… ou está e continua ajoelhada ignominiosamente diante do fascismo». Antoni Llabrés, exercendo a sua liderança social, insisto, muito consolidada, propôs uma mobilização sustentada ao longo do tempo e anunciou a próxima concentração, no dia 2 de junho, contra a revogação da Lei da Memória Democrática das Baleares.

Nesta situação de resistência em que, aliás, também se forja a resistência à destruição territorial e ao turismo superlativo, vale a pena recordar o que afirmou o professor Josep Fontana no seu livro de 2005 La construcció de la identitat (A construção da identidade): «Uma história é sempre a genealogia de um determinado projeto social, e não a de uma "unidade de destino no universal" como as postuladas pelo fascismo, definidas arbitrariamente de cima e impostas para baixo pelo sangue e pelo fogo. Nesse sentido, qualquer comunidade tem tantas histórias possíveis quantos projetos futuros que os seus membros alimentam.» Porque somos mais os e as que querem alimentar um futuro diferente deste pesadelo das desigualdades, do darwinismo social, da aniquilação da nossa própria língua, da falta de cultura, do negacionismo científico, do nacionalismo ultra-espanhol, do esquecimento democrático, do ódio ... vale a pena resistir. A história não se espera, faz-se. E para fazer história a mobilização social é fundamental. Haverá cada vez mais 5 de maio massivos!

Fonte

Texto originalmente publicado na revista eletrónica de língua espanhola Sin Permiso, no dia 10 de maio de 2024. Tradução livre.

Sobre o autor

Membro da central sindical espanhola Comisiones Obreras, onde ocupou vários cargos, entre eles, o de secretário-geral de la Federación de Comercio, Hostelería y Turismo das Ilhas Baleares. Tem trabalhado como analista na Fundación Gadeso. Actualmente, colabora com vários meios de comunicação de Maiorca. Escreve regularmente na revista SinPermiso, no site da secção latino-americana da federação sindical do setor da alimentação e da hotelaria Rel-UITA e no portal do centro de investigação independente Alba Sud.