E se as línguas regionais fossem bom argumento para vender? - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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E se as línguas regionais fossem bom argumento para vender?
E se as línguas regionais fossem bom argumento para vender?
A Bretanha e o bretão

 «Malo Bouëssel du Bourg [...] embarcou numa operação que parece meio maluca: incentivar as empresas a usar o bretão

 

Os hipermercados Leclerc não são conhecidos pela propensão a deitar dinheiro à rua. No entanto, no hipermercado de Plougastel-Daoulas (Bretanha), a língua bretã está omnipresente. Aqui, os vouchers (cheques) de fidelidade são chamados de gwenneg (sou, em francês) e os clientes passeiam pelos corredores fouezh ha legumaj («frutas e legumes»), peskerezh («peixaria»), babigoù («bebés»), porfumerezh («perfumaria»), pastezerezh-baraerezh («pastelaria-padaria»). O dono da loja, Jean-Marie de Bel-Air, até ofereceu aulas de bretão aos funcionários.

Quando perguntamos ao empresário porque age assim, não se faz de hipócrita: «Destaco o bretão primeiro, porque sou bretão e com muito orgulho, mas também porque esta característica corresponde ao meu interesse. Os bretões gostam, claro, mas também os clientes que, sem falar a língua, gostam da Bretanha e, finalmente, os turistas que apreciam o facto de não se encontrarem numa loja comum. A especificidade é sempre uma mais-valia na área comercial! E funciona melhor quando quem me conhece sabe que a minha abordagem está de acordo com as minhas opiniões profundas.»

«Um país que perde a alma também perde a sua economia», escreveu o poeta e escritor Xavier Grall. Essa também é a convicção do escritor Malo Bouëssel du Bourg, que embarcou numa operação que parece meio maluca: incentivar as empresas a usar o bretão. Com que justificação? «Para uma empresa, é uma forma de afirmar a autenticidade do seu posicionamento e de se distinguir da concorrência. É também um elemento aglutinador, que promove a coesão interna e facilita o recrutamento.»

Na Bretanha, a Breizh Cola ultrapassou a Pepsi

Um belo discurso de ativista desligado da realidade? Alguém poderia crer que sim, se este mesmo homem não fosse há muitos anos o muito sério diretor da muito séria associação Produit en Bretagne («Fabricado na Bretanha»). À partida, há uma ideia simples: e se, ao fazer compras, o consumidor tivesse a certeza de comprar um artigo fabricado ou transformado localmente, não será que não lhe daria preferência, para incentivar o emprego local? Bingo! A obtenção do logótipo [na imagem] que garante as condições exigidas leva a um aumento de vendas de 20% em média, e, no local, a Breizh Cola ultrapassou até a Pepsi! Não é por acaso que a referida associação reúne hoje cerca de 500 empresas – entre elas Jean Hénaff, Saupiquet, as Caisses d’Epargne Bretagne Pays de la Loire – que aderiram por convicção ou por um interesse que se compreende bem.

Trata-se, portanto, agora de dar o passo seguinte, incitando esta rede a usar a língua bretã, cada membro ao seu próprio ritmo. «Quem está a começar pode contentar-se com sinalização de boas-vindas e cartões bilingues; os mais avançados podem usar software em bretão (há alguns), criar uma versão em bretão do site e recrutar prioritariamente, com igual qualificação, funcionários bretanófonos.

Pode imaginar-se: nem todos os patrões ficaram imediatamente rendidos a este projeto. Alguns temem muita complicação; outros o risco de ficarem datados; outros ainda a incompreensão de parte de seus clientes. Fiel ao seu método, Malo Bouëssel du Bourg responde-lhes, pragmático, pelo exemplo: «Há anos que a Askorn Medical, especializada em próteses médicas, comunica em feiras internacionais em inglês, francês e bretão. Ideia simpática e generosa. As críticas aos temas  "discriminação na contratação, fecho ao exterior, comunalismo» fazem-no sorrir: «Como é que valorizar a competência na língua bretã seria mais discriminatório do que reivindicar a competência em inglês?»

Noções de autenticidade e qualidade

Fica a realidade: o bretão é obviamente menos útil que o francês e o inglês. E daí ? «Cada idioma tem uma missão, singular e complementar, continua Malo Bouëssel du Bourg. O francês e o inglês são os idiomas em destaque, respectivamente na França e internacionalmente. Mas, precisamente por isso mesmo, são línguas sem nenhuma vantagem particular. O bretão é a língua da cumplicidade. Por ser fruto de uma escolha, traz valor acrescentado à empresa que a utiliza, ao associá-la a noções de autenticidade, qualidade, enraizamento no território e respeito pela diversidade. A cultura cria vínculo social e especificidade. Por isso é um motor da economia.»

Vamos fazer figas. Há meio século, o renascimento da língua bretã começou com a cultura, com artistas como Alan Stivell. Em seguida, seguiu-se a educação, graças em particular ao método de imersão linguística das escolas da rede Diwan. Hoje, com a economia, é a terceira etapa de um foguetão que está (talvez) prestes a tomar posição para descolar.

 

N. E. – Na imagem do topo, o cartaz promocional em língua bretã, incluindo o logótipo (em francês), onde se lê a frase plijadur penn da benn, ou seja, «prazer do princípio ao fim».

Fonte

Tradução de um artigo publicado pelo semanário francês L'Express em 25 de abril de 2023.

Sobre o autor

Chefe de Redação  da revista francesa L'Express, conferencista e autor entre outros livros de Le Roman de Chirac.