Ao contrário do que sustenta de Maria Regina Rocha na sua resposta "Um dos que...", nas frases deste tipo, o verbo que se segue só pode figurar no plural. A mais simples análise sintáctica leva a concluir que uma forma verbal no singular constitui um erro grosseiro.
Este tema está, aliás, excelentemente tratado em obras como Áreas Críticas da Língua Portuguesa, de João Andrade Peres e Telmo Móia (Ed. Caminho, colecção universitária, série Linguística, capítulo 7), ou Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem, de Rodrigo de Sá Nogueira.
Infelizmente, o erro tornou-se por tal forma epidémico em todo o mundo lusófono que parece inglório remar contra ele. Inquieta-me, por exemplo, que a consulente Mónica Domingues tenha já encontrado "gramáticas da língua portuguesa (em Portugal) que afirmam que o verbo deverá ser conjugado no singular".
E só à sua extrema vulgarização podem dever-se as tentativas de justificação de um tão evidente atropelo da gramática: na impossibilidade de o combater, opta-se por avalizá-lo.
A regra do verbo no plural, pelo menos em relação aos casos exemplificados, é absoluta, sim. Se pretendermos destacar o sujeito do grupo ao qual pertence (uma das situações especiais em que se afirma poder pôr-se o predicado no singular), então a opção é inverter a frase.
Seguindo os exemplos indicados: «Dos escritores que mais me impressionaram, um foi Padre António Vieira»: nomeamos primeiro - correctamente - o grupo ao qual o sujeito pertence (os escritores que mais me impressionaram) e, em seguida, destacamos esse sujeito (Padre António Vieira); «Das peças que agradam sempre, uma é Frei Luís de Sousa»: nomeamos primeiro – correctamente – o grupo ao qual o sujeito pertence (as peças que agradam sempre) e, em seguida, destacamos esse sujeito (a peça Frei Luís de Sousa).
No segundo exemplo, é até preferível não enveredar por plurais intercalares, que complicam a frase e aos quais não se dá depois sequência lógica: «Uma peça que agrada sempre é Frei Luís de Sousa» – sem mais. Justificar o erro por causa do destaque que se deseja (mas que se formula incorrectamente) levar-nos-ia, por exemplo, a aceitar a seguinte frase, que hoje se ouve muito: «Está sol, mas eu parece-me que vai chover». Também aqui se pretende destacar a quem é que parece que vai chover. Existe uma forma correcta de obter o mesmo destaque? Pois existe: basta dizer: «Está sol, mas a mim parece-me que vai chover». Do mesmíssimo modo, existe, nos exemplos supra, uma forma correcta de "destacar o sujeito do grupo ao qual pertence".
Quanto ao argumento da eufonia, é inaceitável. Com ele, poderia também justificar-se o seguinte erro, muito frequente no português do Sul: A minha filha fez vinte e um ano; Há mil e uma maneira; Se a casa foi construída em 1904, tem cento e um ano; A telefonar, gastaste trinta e um impulso; A viagem custou-me cinquenta e um escudo. A eufonia verifica-se aqui entre o último elemento do numeral (um) e o substantivo (que, na verdade, é quantificado pela totalidade do numeral, e não apenas pelo elemento que está mais próximo do substantivo). Também por eufonia se justificariam construções como a seguinte: «A maioria dos deputados votaram».
A eufonia permite-nos compreender a causa do erro, mas não o justifica. As línguas castelhana, francesa e inglesa – estruturalmente (isto é, sintacticamente) idênticas à nossa – apresentam situações semelhantes. Seriam, por exemplo, os casos: «una de las casas que fueron construidas» (e não «una de las casas que fue construida», pois, se é correcto dizer, em castelhano como em português, «una de las casas construidas», dificilmente se poderá aceitar, quer numa língua quer na outra, «una de las casas construida»); «l'un des enfants qui lisent le texte» (e não «l'un des enfants qui lit le texte»); «this is one of the persons who have a problem» (e não «this is one of the persons who has a problem»). Este último exemplo foi aliás tema de controvérsia entre a redacção da revista "Time" e um leitor norte-americano: numa reportagem sobre o alcoolismo nos Estados Unidos, apresentava-se na capa o retrato de um indivíduo com uma garrafa na mão, sob a legenda «This is one of the persons who have a drinking problem»; na edição seguinte, o referido leitor sustentava que se deveria dizer «This is one of the persons who has a drinking problem», por "one" ser singular – ao que o corpo redactorial replicou que a forma correcta do verbo tinha de ser a do plural("have"), uma vez que o sujeito, interposto por "who", era "persons", e não "one"; o mesmo corpo redactorial recordava ainda que uma maneira fácil de testar o verbo consistiria em inverter a frase: «Of the persons who have a drinking problem this is one».
Não se trata aqui de convenção, como quando uma autoridade competente na matéria determina que, em vez de 'Cezimbra', passe a grafar-se 'Sesimbra'. O que está em causa é uma questão de lógica, de sintaxe.
Considero, sinceramente, deplorável o Ciberdúvidas integrar-se na corrente que opta pela avalização de um erro (e pela tentativa de para ele arranjar justificações aparentemente bem fundadas) apenas porque nada parece já possível contra a maré.
A fala popular está longe de seguir uma via sempre racional. Seja esse, no limite, o motivo da avalização – mas jamais se procure justificar como correcto o que tão flagrantemente constitui um atropelo da gramática.