A terminologia linguística que está neste momento em experiência e em revisão tem sido motivo de muitas tomadas de posição públicas, artigos, abaixo-assinados e muita irritação. Certamente, as pessoas, "famosas" ou não, que se pronunciaram sobre a questão não sabem do que estão a falar, tantas e tão ingénuas são as afirmações erradas. Existem os erros de base e os erros de pormenor. Vamos aos primeiros.
O estudo de qualquer área das ciências – exactas, sociais ou humanas – altera convicções e representa um progresso na compreensão dessas áreas. O funcionamento da linguagem e das línguas é uma área estudada pelos linguistas: gramáticos, psicolinguistas, sociolinguistas. Eles estudam a compreensão que nos permite perceber uma língua e estudam a produção linguística dos falantes. Sabe-se hoje mais do que há 40 anos no que respeita à relação entre compreensão e produção linguística, entre aspectos cognitivos e aspectos verbais. Esse saber não é uma nebulosa nem uma "vaga ideia" a que nos podemos referir de qualquer maneira, mas exige termos de referência. Por essa razão, as gramáticas actuais utilizam termos que servem o que se já conhece do nosso uso da língua, embora muitos desses termos sejam os mesmos que já eram usados em gramáticas anteriores. Idênticas alterações conceptuais e terminológicas existem em todas as outras disciplinas. Será que a escola portuguesa não pretende acompanhar o progresso das ciências? Será que tudo o que é novo desperta uma reacção própria de um conservadorismo reaccionário? Será que o ensino não pode beneficiar dos avanços da ciência? Será que os professores que têm a seu cargo os primeiros ciclos escolares não estão à altura de conhecerem, e saberem como transmitir, o que se conhece hoje em qualquer ciência, inclusive a ciência da linguagem? E os professores que ensinam ciclos mais avançados? Será que não é bom que apresentem esse conhecimento usando os mesmos termos, ou é preferível que cada professor escolha a seu gosto os termos que utiliza?
Estou a referir-me ao ensino da língua que todos falamos, não estou, claro, a referir-me à análise do uso da língua como obra de arte, ou seja, o que se integra na teoria literária e no estudo da literatura em geral, que para isso não tenho preparação especial. Na realidade, qualquer programa de teoria da literatura mostra que os conceitos, e a consequente terminologia nesta área, são muito diversos dos que usa o mero estudo da língua.
Veja-se: «os géneros poéticos»; «as categorias: poesia épica, didáctica, elegíaca, lírica, epinícia, trágica, cómica e bucólica (...) O possível/impossível como categorias fenomenológicas» (programa de teoria da literatura da FLUL). E são temas específicos da literatura a desconstrução, a fenomenologia, o formalismo, o marxismo, a narratologia ou o pós-modernismo (CECLU da UNL). Estes são termos que ocorrem em programas universitários. Mas nos outros níveis de ensino também se encontram termos nem sempre transparentes, como por exemplo, em Quadros de Referência do ensino secundário, as «réplicas e didascálias», o «cânone literário», «a ambiguidade, polissemia e conotação», os «mitos/arquétipos», a «epígrafe, o incipit, o explicit».
Os linguistas não estão preocupados em discutir estes (e muitíssimos outros) termos mas, sim, a sintaxe, a fonologia, a morfologia, a semântica, etc., que são os que respeitam ao funcionamento da língua que todos utilizam.
Vejamos os aspectos concretos e de pormenor desta questão. Por tudo o que acima está dito, se considerou indispensável rever a Nomenclatura Gramatical Portuguesa publicada em “Diário do Governo” de Abril de 1967, que é a terminologia oficialmente utilizada no ensino. Esta terminologia fala de morfologia e sintaxe, mas da semântica só conhece a das palavras (não há semântica das frases?). Fala de substantivos e de adjectivos, mas acrescenta: «As palavras que participam da natureza substantiva ou adjectiva recebem a designação de nome, o que permite uma relacionação com "flexão nominal", "predicado nominal”, etc.» Os substantivos têm classificação, têm género, número, grau e ainda podem entrar em locuções. Os advérbios podem ter 15 classificações. A fonética sintáctica tem próclise, ênclise, crase intervocabular, elisão, ligação consonântica, haplologia intervocabular, entoação e ritmo, os complementos circunstanciais podem ser de nove tipos diferentes, entre eles o de instrumento (por exemplo, «cortei com a faca»).
Já não se lembravam que era assim que se aprendia? Não sabiam que estes termos complicados faziam parte da terminologia que se quer actualizar? Até o epiceno faz parte da infância de muitos dos que gritam e prevêem as maiores desgraças para o país inteiro com a nova terminologia. Felizmente, muitas coisas mudaram desde então. Os escritores não gostam do modificador, do anafórico, do agentivo? Mas gostam com certeza da aférese, da síncope e apócope ou de prótese, da epêntese e da paragoge, ou de crase, da sinérese e da diérese que estão na Nomenclatura de 67. E não gostam do ataque ou da coda da sílaba? Lamento, mas não perceberão nada de qualquer livro que aborde a prosódia das línguas. Aliás, o que é necessário é que o professor saiba o que são estas duas partes da estrutura da sílaba (que também tem estrutura, imaginem!?) e que o faça perceber aos alunos, sem precisar de os obrigar a decorar o termo. E assim por diante.
Por favor, não falem do que não sabem e deixem-nos trabalhar sobre a actualização da Terminologia, tirar conclusões da experiência em curso e tornar o ensino da gramática do português menos obsoleto e integrado nos programas actuais que, evidentemente, não sofrerão qualquer alteração.
In "Público" do dia 29 de Novembro de 2006.