1. - Não considerei «não portuguesa a estrutura da frase: "Uma nova revista, destinada aos tempos livres, apareceu nas bancas portuguesas (...)"».
Como poderia eu considerar não portuguesa uma estrutura própria da nossa língua? O que eu disse foi coisa bem diferente: «que em muitos casos, não devemos empregar a ordem directa, como é próprio do inglês». Dizer «em muitos casos...» não é afirmar que não é portuguesa a ordem directa. Mais ainda: apenas afirmei que «em muitos casos» e não em todos. Não se generalize o que eu não generalizei. A estrutura da frase é bem portuguesa. O que é anglicismo é empregá-la em determinados casos.
2. - Escolher-se-á a ordem directa ou a inversa conforme a situação. E na situação entra o sentir, o pensar, o entender, o querer e até a visualização do falante.
Imaginemos a seguinte situação:
O João tem estado doente. Os amigos sentem a sua falta. Há também os que conhecem o João, mas a quem ele é indiferente. Suponhamos, então, as seguintes frases:
(1) Oh!... Vem ali o João!
(2) O João vem ali.
Geralmente, os amigos pronunciam a frase (1). Iniciaram-na por vem, porque, naquele momento, o que lhes tocou mais a sensibilidade não foi o João em pessoa, mas o mover-se já com saúde, isto é, o vir - o vir já pelo seu pé. Este facto feriu de alegria o seu amigo. E então saiu-lhe muito naturalmente a frase (1), começada por vem, com o verbo em primeiro lugar, o de mais evidência.
Mas o outro falante, para quem o João era como qualquer pessoa, possivelmente nem se lembrava de ele ter estado doente. Saiu-lhe, então, a frase (2), na ordem directa, a mais natural.
O primeiro construiu a frase, partindo do que sentiu; o segundo, partindo apenas do que viu e talvez pensou.
3. - A língua/linguagem não é somente para ser compreendida, mas também para ser sentida. Por isso, o falante que proferiu a frase (1) não sentiu apenas a vinda do João: sentiu também a língua; sentiu apenas, mas não pensou que era aquela a melhor frase que lhe calhava para exprimir o que lhe ia no coração.
4. - É certo que só algumas gramáticas mencionam a ordem directa e a inversa, mas não o seu valor semântico, porque isto não é verdadeiramente gramática, embora toque a gramática. É, sim, estilística, para cujo exame os estudiosos se servem dos conhecimentos gramaticais.
5. - Para melhor compreendermos o emprego da ordem directa e da ordem inversa, é indispensável termos em conta o seguinte: O povo português procede, não raro, levado mais pelo que sente do que pelo que pensa - impera nele mais o coração do que o cérebro. Vejamos este facto:
Por sermos assim, entrámos na América a dizer missa - sinal de amor. Os espanhóis entraram a destruir e a matar - sinal de desamor. Sem dúvida que também usámos de violência - mas apenas também.
Tal como o nosso povo tem bem saliente a face da sensibilidade, assim a Língua Portuguesa tem as características necessárias à expressão dessa sensibilidade. Uma delas é aquela maleabilidade que permite escolher a ordem directa ou a ordem inversa conforme a situação do interior do falante.
E agora, vejamos as frases em questão:
(1) Um novo programa foi para o ar no canal televisivo...
(2) Foi para o ar um novo programa no canal televisivo...
Destes dois elementos da frase, um novo programa e foi para o ar, o que nos toca mais profundamente a sensibilidade é este: foi para o ar, pelo menos é o que parece. E porquê? Pelo seguinte:
Novos programas há-os em várias situações: uns apenas pensados, outros estudo inicial; há outros já em elaboração, e outros concluídos ou perto disso. Mesmo concluídos, o elemento novo programa nada nos diz sobre a sua difusão ou não difusão.
Perante esse elemento, permanecemos numa incerteza, nada nos diz.
O elemento foi para o ar dá-nos a certeza de tudo, e os que gostam de ver a SIC sentem-se atraídos para o novo programa pelas tais certezas que lhes transmite o elemento um novo programa. E quem fala ou escreve sente estas coisas e também sente as possibilidades da nossa língua. E por isso mesmo, ele sente (sente mas não pensa) que deve iniciar a frase pelo elemento foi para o ar. É idêntica a explicação para a outra frase: «Uma nova revista...».
6. - A Língua Portuguesa é assim, porque os portugueses são também assim. E foi este muito nosso assim que deu nascimento ao mesmo assim do nosso idioma. Por isso ele ficou assim: não só apto para transmitirmos o que pensamos, mas também o que e o como sentimos.
P.S. - Terminei o n.º 5 da seguinte maneira: «É idêntica a explicação para a outra frase».
Podia ter escrito na ordem directa: «A explicação é idêntica para a outra frase». Não escrevi assim, porque o que mais me tocou no íntimo não foi a explicação, mas o ter sido ela idêntica.
Cf. contraponto desta controvérsia em Portugueses que preferem o inglês e Ordem directa e ordem inversa.