Depois da tomada de posição de Morais Barbosa (mas este é ainda um linguista de formação estrutural), tivemos no “Expresso” um texto de João Peres sobre a avaliação científica da TLEBS. João Peres é um ilustre professor catedrático da Faculdade de Letras e tem a enorme vantagem de ser um pós-chomskiano, e se integrar na mesma tendência dos autores da TLEBS. Por isso as suas críticas vêm de dentro e põem claramente em causa o projecto apresentado. João Peres não está do lado da literatura, embora a considere.
Ele defende a cientificidade da terminologia linguística: «Estou convencido de que as línguas devem ser estudadas pelos jovens como objectos de ciência, tanto como são o ar que respiram, a água que bebem ou o código genético. As sociedades civilizadas têm assumido que a formação científica é essencial para o desenvolvimento cognitivo e que os jovens, sobretudo se apoiados, têm curiosidade e apetência pelo conhecimento científico. Não vejo por isso razão para que a linguagem humana não seja tratada nos sistemas de ensino como objecto de ciência.» Mas o que de certo modo ressalta desta intervenção de João Peres é que gostaria que houvesse duas disciplinas diferenciadas: uma de Língua Portuguesa, outra de Literatura Portuguesa.
Mas a sua análise vai muito mais longe: ele faz uma desmontagem implacável da TLEBS. Em termos externos, para começar, e depois em termos internos. «Antes de explicitar as minhas críticas, respondo a uma pergunta que o leitor pode colocar-se: a TLEBS não está avaliada e credenciada, uma vez que a sua base de dados de definições foi elaborada unicamente por docentes universitários? Lamento responder que não está.» E mais adiante cita as declarações de uma das autoras da TLEBS: «Na TLEBS, há duas definições para adjectivo, como Advérbio, Nome e Verbo. Esta duplicação resulta de cada domínio ter sido tratado por um diferente autor e nunca ter sido feito um cruzamento de dados». E João Peres por um momento perde a frieza e mostra-se indignado: «Como é possível que, em tais condições, tenha sido assumida a responsabilidade de verter tal Terminologia em diploma legal? Alguém terá de responder por semelhante absurdo». E depois analisa por dentro aquela terminologia considerando três aspectos: a) deficiências metodológicas, b) erros de formulação, c) erros conceptuais. Não vou entrar nessa análise por manifesta falta de competência e de espaço. Limito-me só à conclusão: «Considero a TLEBS uma calamidade que se abate sobre o nosso país. Por isso, apelo à senhora ministra da Educação no sentido de travar o insano processo da TLEBS".
Ora acontece que o Ministério se tem mostrado preocupantemente silencioso. Entretanto, ao abrigo de um chamado processo experimental, vão-se criando as bases para uma situação de facto. Impor a TLEBS no 12. º ano e colocá-la nos exames só pode ir nesse sentido. O que é gravíssimo. Sinto o Ministério receoso de tomar posições. Ouve, ouve, mas o que está decidido continua exactamente como foi decidido. Entretanto, os manuais proliferam com visões críticas da TLEBS (como o de Álvaro Gomes) ou declaradamente defensores da TLEBS (como se mostram outros).
Mas depois dos elementos de que dispõe, resta ao Ministério uma posição: travar de vez a TLEBS. Se o não fizer, terá graves responsabilidades na degradação do ensino em Portugal e estará a assumir uma posição contra o Plano Nacional de Leitura. Por favor, senhora ministra, pare o que ainda pode ser parado.
Público de 11 de Dezembro de 2006.