São, eles, na opinião da autora, referindo-se à realidade portuguesa: a «impraticabilidade da TLEBS», a «valorização da oralidade sobre a escrita», a subalternização do Latim e o Acordo Ortográfico. Artigo dado à estampa no jornal “Público” de 20/08/2012, a seguir transcrito na íntegra.
Não é postura democrática um Governo isolar-se de quem governa, evidenciando indiferença ou desagrado perante críticas (designadas por «não construtivas») que colidem com o que deseja impor, mantendo, no entanto, intocáveis as vozes dos que intervêm activamente na satisfação desses desígnios. São várias as situações que o demonstram, nomeadamente no ensino do Português, de que destaco apenas quatro, por uma questão de espaço:
1) A impraticabilidade da TLEBS, com a sua aberrante nomenclatura, em substituição da gramática tradicional, que,apesar de forte polémica, se mantém em todos os programas de Português, imune a resultados nefastos e a intervenções críticas e fundamentadas de professores, linguistas, escritores, jornalistas e encarregados de educação.
2) A estreiteza de espírito que impôs a valorização da oralidade sobre a escrita, que atribuiu igual importância a textos funcionais e literários (os últimos designados como «recreativos»), e que considerou «pura perda de tempo» a contextualização histórico-cultural de um autor, inclusive com a indicação do lugar onde nasceu: «Freixo de Espada à Cinta ou outra coisa qualquer», palavras do Prof. João Costa, brilhante mentor da TLEBS, no encontro realizado na Gulbenkian (2011) a propósito do Plano Nacional de Leitura.
3) A incongruência de o Latim e a literatura portuguesa como opções no “Curso de Línguas e Literaturas”, crendo-se natural que um futuro professor de Português não saiba Latim, base da língua portuguesa. Há quem, no entanto, se esforce contra este absurdo. Uma jovem professora de Português, Susana Marta Pereira, a fazer o mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas (FCSHUNL), demonstrou, na escola onde ensina, Externato Nuno Álvares (Palmela) e nas escolas Pedro Nunes e Camões (Lisboa) onde vai completar o mestrado, quanto os alunos podem ganhar afeição pela língua e, consequentemente, pela escrita e pela leitura, com «o conhecimento do Latim e da mitologia clássica, e a explicação da origem das palavras». O certo é que, em 2012-2013, haverá a disciplina de Latim em 5 turmas, do 5.º ao 9.º anos (Palmela), e, em Lisboa, a professora Susana Pereira, com o apoio da sua orientadora de estágio, irá também implementar um programa de “Iniciação à Cultura/Língua Clássica”, de frequência livre, para os alunos do 3.º ciclo, com o objectivo de levar esses alunos a escolher, futuramente, o Latim no secundário.
4) Finalmente, a imposição do AO, sem debate sério e científico e numa demonstração de extrema falta de respeito pela vontade dos portugueses. O caos é visível em alguma comunicação social, em instituições e na escola, discutindo já os alunos mais velhos a razão de ser das «novas minúsculas» e o desaparecimento geral das consoantes mudas. Com efeito, em textos escolares, em documentos oficiais, em legendas ou em notícias surgem palavras como “expetativa”, “expetante”, “contato”, “contatámos”, “de fato”, “impato”, “tato”, “jato”, “pato”, entre muitas outras, e até “portugal” não tem direito a maiúscula, contrastando, no mesmo texto, e por duas vezes, como prémio “Portugal Telecom” (Revista do INATEL, n.º 238). Falta só que, curvados perante o número de falantes brasileiros e em nome da pretensa «unidade da língua», passemos a usar “presidenta” ou “estudanta”, entre outras similares, obedecendo à lei n.º 12.605, de 3/4/2012, sobre o “Emprego obrigatório da flexão de género para nomear profissão”, recente inovação da “Presidenta” do Brasil.
Em 2011, o Conselho de Ministros afirmou que o AO visava «reforçar o papel da língua portuguesa como língua de comunicação internacional», mas, entretanto, fecham-se leitorados, dificultam-se as aulas de Português para os filhos dos emigrantes, continuando nós também a desconhecer o quanto tem custado e continua a custar este AO. O Brasil, entretanto, promove congressos com o objectivo de «discutir políticas linguísticas relacionadas à internacionalização do Português brasileiro.» E assim se fazem as cousas, diria Gil Vicente. Não deixe de consultar o site: www.ilcao.cedilha.net.
in jornal “Público” de 8 de agosto de 2012.