Na blogosfera anda uma petição pela abolição do ponto de exclamação. Sou contra. Reparem, eu não disse: sou contra! Como aquelas mulheres que baixam a voz e a tornam fria para indicar que um não é mesmo não, eu não uso ponto de exclamação quando sublinho uma frase. Agora, daí a quererem abolir o sinal, apetece-me baixar a voz e torná-la fria: não.
Quem quiser acabar com o ponto de exclamação vai encontrar-me bem armado. Na ortografia não conheço melhor para porrada que o ponto de exclamação, tem bastão para varrer costados e um pontinho para furar olhos.
Venho à questão porque me custou ver do outro lado da barricada – contra o ponto de exclamação – três das pessoas que mais gosto de ler nos jornais e blogues: Pedro Mexia (que fez, digamos, o texto iniciático da campanha, já há dois anos, num artigo do "Público"), José Mário Silva e Francisco José Viegas (estes dois recentemente, nos seus blogues Bibliotecário de Babel e A Origem das Espécies).
O que os impeliu para a vontade assassina terá sido o exagero daqueles que escrevem como se andassem sempre com os olhos arregalados. Mas eu, que já vi desaparecer quase todos os velhos sobrados de Luanda – e, acreditem, aquilo que fez nascer os velhos sobrados de Luanda era também um exagero –, ando numa fase em que acho todas as medidas radicais piores que os exageros a que reagem.
É evidente que o ponto de exclamação tem de ser usado com parcimónia. Como, aliás, a própria palavra parcimónia. Julgo que nunca antes a usara, escrita ou falada, mas fazia-me bem saber que um dia dar-me-ia jeito. Deu. Também nunca escrevi "moldura humana" para retratar a assistência num estádio. Mas desgosta-me a sobranceria dos que gozam com a expressão batida, à pala de que ela é muito batida, esquecendo que o primeiro que a usou fez uma bela imagem: os estádios, que são ovais, emprestam à assistência a forma das molduras das fotos antigas.
Contra o ponto de exclamação apontam-lhe a carga emotiva. Nada de mais natural de quem nasceu de um "i" em cima do "o", quando a interjeição latina "io" exprimia dor ou alegria. Mexia foi obrigado a conceder que simpatiza com os pontos de exclamação dos insultos do Capitão Haddock. E o Viegas ilustra a sua repulsa com imagens de jornais maoístas do MRPP, no Verão Quente, quando não se falava nem se escrevia, palavreavam-se ordens.
Bons exemplos para esclarecer a questão. Como linguagem autêntica, o ponto de exclamação é bom. Já os secos não podem senão dar-lhe mau uso. E, mesmo esses, nem sempre. Havia uma organização francesa também maoísta, que se redimia no título do seu jornal: «Ce que nous voulons: Tout!» («O que nós queremos: Tudo!»). O que prova que até os mal excitados podem conhecer a arte de bem exclamar.
Crónica do autor publicada no "Diário de Notícias" do dia 9 de agosto de 2009