Muito barulho por quase nada. Essa é uma boa descrição da nova reforma ortográfica que o Brasil cogita implementar já a partir do ano que vem. Na prática, o que o tratado faz é eliminar um pequeno número de consoantes mudas ainda escritas em Portugal ("óptimo", "adopção"), sepultar o trema e promover algumas poucas mudanças nas regras de acentuação e do uso de hífen.
Parece pouco. E, em termos qualitativos, de fato o é. Só que, para proceder às modificações, será preciso empenhar uma energia desproporcional. Entre as providências necessárias destacam-se a atualização de todos os professores e alfabetizadores do país e a revisão de todo o material didático, para ficar nos itens mais custosos.
Tal esforço parece bem maior do que os ganhos potenciais do acordo. Nunca foi o "p" de "óptimo" nem as demais minudências da reforma que dificultaram a intercomunicação entre leitores e escritores dos dois lados do Atlântico. Se há barreiras lingüísticas, dizem respeito à escolha das palavras e a expressões idiomáticas, fatores culturais que estão ao abrigo das iniciativas dos reformadores.
Para tornar a situação mais complicada, Portugal dá sinais de que não está mais disposto a seguir com a reforma. Ainda não ratificou o protocolo modificativo do acordo nem tem planos de fazê-lo. Há rumores de que Lisboa pode introduzir uma cláusula de reserva, desobrigando o país europeu de implantar a mudança em prazo definido.
Nesse contexto, não faz muito sentido que o Brasil comece a mover fundos para unificar sua grafia com a de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, os dois países que, como o Brasil, já poderiam implementar o acordo.
Antes de embrenhar-se na terceira reforma ortográfica em menos de um século (já as houve em 1943 e 1971), é preciso ao menos ter certeza de que Portugal irá segui-la, ou o ganho potencial, que já é pequeno, praticamente desaparecerá.
editorial da Folha de S. Paulo, transcrito no Courrier Internacional, de 26 de Setembro de 2007