Acabo de ler, nas "Controvérsias", um comentário no qual João Carreira Bom se refere, de uma forma a meu ver um pouco desajustada e que rodeia o sentido da minha crítica, ao artigo que publiquei no Top5% WebZine (e que as "Ciberdúvidas da Língua Portuguesa" transcreveram na íntegra, citando incorrectamente a fonte e sem os itálicos e o hipertexto que lhe completavam o sentido). Pretendo por isso, e de um modo breve, esclarecer alguns pontos.
O texto que intitulei "Ciberuvas da míngua portuguesa", é, como se percebe logo pelo primeiro parágrafo, uma crítica não tanto do vosso trabalho - que ali, sob alguns aspectos, acabo por elogiar - mas de um tom e de uma "escola" que não são do meu agrado e que a maioria dos vossos pareceres parece exprimir. Não pretendi defender ali qualquer espécie de "tese", nem exprimir resultados de um qualquer estudo académico. Nem mesmo opôr à Norma (com maiúscula) a ausência de normas. Sou também professor e fazê-lo seria negar um dos fundamentos da minha profissão. Procurei sim, ao invés, alertar apenas alguns dos vossos muitos leitores contra uma escola de português que, de tanto guardar a verve, se vai distanciando do falar corrente e se começa a tornar ininteligível para muita gente. É esse falar que constitui, como muito bem sabe, a madre da língua. E se, neste domínio não vamos seguir o último tique, também não vamos fechar-nos nessa fortaleza que grande parte dos lusofalantes não entende.
Refere-se em especial, no seu comentário, à minha opinião a propósito do carácter extremamente móvel do português falado entre os séculos XVI e XVIII. Não segui, para a conceber, tese alguma ou autoridade determinada: não tenho de o fazer, nem mesmo dado o facto de ensinar (como teve o cuidado de apontar insistentemente) na Universidade de Coimbra. Usei apenas a minha própria experiência de leitura de textos desse período. Trabalho na área da história da cultura (não dos estudos literários, note-se, o que até será importante neste caso), e, para construir um trabalho a publicar em breve, usei longos anos da minha vida a ler manuscritos e impressos desses longos anos. Portugueses e escritos em português, na sua maioria. Mas também redigidos em castelhano, em francês, em italiano e em inglês. Não me importo, por isso, tendo em conta o tipo de texto em que exprimi essa opinião, de contrariar a autoridade de quem estudou o tema noutro tempo e sob outra perspectiva. A minha experiência é diversa, e não seria por isso que iria dizer o contrário daquilo que a minha própria prática fez ver. Qualquer estudante universitário de história poderá, aliás, confirmar que lhe é muito mais fácil ler texto inglês ou francês de Seiscentos (se conhecer razoavelmente a língua, evidentemente) do que texto nacional do mesmo período.
Lembro ainda que o que escrevi, com a liberdade inerente ao tipo de publicação na qual saiu, foi traçado com convicção, mas também com um certo sentido de polémica. Não foi feito para construir critério de verdade ou minimizar o trabalho dos outros. O vosso trabalho, no caso presente. Apareceu apenas porque, quando toda a gente bate palmas, às vezes também é preciso dizer que, se calhar, uma pequena pateada pode aprimorar a prática do artista. Ou, melhor ainda, chamar a atenção crítica dos sectores do público mais distraídos.
*cf. "Ciberuvas da míngua portuguesa" e "Uma língua muito traiçoeira" in Controvérsias.