«O financiamento para a ciência é entregue às universidades, que hoje detêm o quase monopólio das unidades de investigação, e elas encarregam-se de contratar os cientistas, em geral por três anos e sem qualquer vínculo à instituição.»
Após a final da Taça, proliferaram os comentários sobre esta e as perspetivas para a próxima temporada. Acaba por ser impossível ignorá-los, por serem tantos e tão repetidos, mas, às vezes, ouve-se alguma coisa interessante. Desta vez, foi um comentador na RTP3 a explicar que, na 2.ª Divisão, alguns clubes têm potencial de subida e, entre estes, os mais ricos pagam cerca de seis mil euros mensais aos jogadores e os menos ricos apenas dois mil.
Há dias li uma publicação de um amigo do Facebook, investigador júnior, com a foto da composição de um júri de doutoramento em área de ponta, de uma grande universidade europeia. Era o único português, mas a figura principal da lista, por ser o arguente da tese, que, em regra, é escolhido por ser a autoridade no tema em discussão. Assinalava o meu amigo que todos os restantes membros do júri ganhavam quatro ou cinco vezes mais do que ele e tinham uma posição laboral estável.
Conheço tantas histórias destas!
É inegável o crescimento da ciência em Portugal nas últimas três décadas, graças a políticas de promoção e financiamento, quase sempre insuficiente, decerto, mas ainda assim significativo. São iniludíveis os lautos financiamentos europeus que o país recebe para ciência, tal como é iniludível o facto de que este florescimento científico se fez, e faz, à custa de trabalho precário e minguadamente gratificado de bolseiros e investigadores contratados a prazo. Muitos deles são "investigadores juniores", categoria inexistente no Estatuto da Carreira de Investigação, remunerada abaixo da dos assistentes de investigação (sem doutoramento), mas com atribuições de investigadores principais. 2.134,73 euros/mês, brutos, é o salário de um "júnior".
O financiamento para a ciência é entregue às universidades, que hoje detêm o quase monopólio das unidades de investigação, e elas encarregam-se de contratar os cientistas, em geral por três anos e sem qualquer vínculo à instituição. Assim, as universidades são também financiadas através da ciência e, ao mesmo tempo, asseguram parte da lecionação dos cursos a custo zero. Para elas, é win-win!
A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) é responsável pelas políticas e dinheiros para ciência em Portugal. Há dias comemorou efusivamente os seus 25 anos, numa megaprodução de gosto duvidoso, organizada por uma qualquer empresa de eventos, de que há diversos vídeos disponíveis no YouTube. The show must go on!
Por favor, passe a pensar duas vezes antes de dizer ao seu filho para ser muito estudioso.
Crónica publicada no Diário de Notícias em 30 de maio de 2022.