E verdadeiramente que não tenho a nossa língua por grosseira nem por bons os argumentos com que alguns querem provar que é essa; antes é branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver e acomodada às matérias mais importantes da prática e escritura.
Para falar, é engraçada, com um modo senhoril; para cantar, é suave, com um certo sentimento que favorece a música; para pregar , é substanciosa, com uma gravidade que autoriza as razões e as sentenças; para escrever cartas, nem tem infinita cópia que dane, nem brevidade estéril que a limite; para histórias, nem é tão florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor das alheias.
A pronunciação não obriga a ferir o céu da boca com aspereza, nem a arrancar as palavras com veemência do gargalo.
Escreve-se da maneira que se lê, e assim se fala.
Tem de todas as línguas o melhor: a pronunciação da latina, a origem da grega, a familiaridade da castelhana, a brandura da francesa, a elegância da italiana. Tem mais adágios e sentenças que todas as vulgares, em fé de sua antiguidade. E, se à língua hebreia, pela honestidade das palavras, chamaram santa, certo que não sei eu outra que tanto fuja de palavras claras em matéria descomposta, quanto a nossa. E, para que diga tudo, um só mal tem, e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedinte!
In Corte na Aldeia.