Cantar d’Amigo - Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Cantar d’Amigo

Poema que aqui se regista, como evocação dos 750 anos do nascimento de D. Dinis, o rei-trovador enaltecido por Fernando Pessoa, em Mensagem, como amante da escrita poética — «Na noite escreve um seu Cantar de Amigo / o plantador de naus a haver», «Arroio, esse cantar, jovem e puro» —, a quem se deve a oficialização do galaico-português como língua dos documentos oficiais, em detrimento do latim.


1
Já fui nas águas correntes
Dos rios do meu país;
Triste, canto as descendentes
De um cantar de el-rei Dinis;
E a língua, quando me ensina
(Saudades: Moça e Menina)
Dos rios do meu país!

2
«Segredos do Trovador».
Que andais por tempo inimigo,
Levai às Cortes d’Amor
Minhas cantigas d’Amigo!
«Amor loco y amor loco,
Yo por vos y vos por otro»
Que andais por tempo inimigo!

3
No recalque da inocência
O que me vale é cantar.
Como quem na dor da ausência
Vê o fumo do seu lar.
«Ai ondas do Mar de Vigo»
(Chamo-as e vêm comigo)
O que me vale é cantar!

4
Vi o cabo no começo,
Vi a espada de dois gumes;
E vi o que não esqueço –
Vi maus tratos e costumes
De uma suástica feérica;
(E não o esqueça a América)
Vi a espada de dois gumes!

5
Lá do alto do mar alto
Vi a máquina do mundo
(E não foi sem sobressalto,
Ó mar alto sem ter fundo!):
Se a pátria é o Universo
(E um povo cabe num verso)
Vi a máquina do mundo.

6
Vi ruir minha ternura
Por obras que eram do povo.
Sem sonho nem aventura
Mas fiel ao que era novo.
Entre gente cega e surda
Criei poesia absurda
Por obras que eram do povo.

7
Não sei donde vem o vento,
Se a morte me dá sinais;
No rio do esquecimento
Cada vez me lembro mais.
A mão de Deus a cobrir-me,
E um palmo de terra firme,
Se a morte me dá sinais!

 

Fonte

In Obra Poética, Lisboa, Guimarães Editores, 1957.

Sobre o autor

Afonso Duarte (Ereira, 1884 — Coimbra, 1958) foi um poeta português. Interessou-se por temas de etnografia e arte popular portuguesa, refletidos na sua obra poética. Publicou, entre outros: Canto da Babilónia (1952), Obra Poética (1956) e Lápides e Outros Poemas (1960).