Antologia // Portugal A linguagem e o povo Esta nossa língua portuguesa está a reclamar os seus panegiristas, galhardos paladinos que a defendam e enalteçam, de tal maneira deve andar envergonhada do desprezo com que tantos a maltratam, e bem saudosa do vivo amor que tantos lhe sagraram. O autor da «Côrte na Aldeia» já clamava com mágoa, quando tecia encómios à sua amada língua: «Para que diga tudo, só um mal tem, e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedintes.» Que faria se ele a... Júlio Brandão · 22 de outubro de 1998 · 5K
Antologia // Portugal Sobre a transformação do latim em português É impossível fixar a data do aparecimento do idioma de que hoje nos servimos e tem sido instrumento de uma brilhante literatura; tão pouco se pode determinar a época precisa em que os sons do latim popular se transformaram nos portugueses que lhes correspondem; essa transformação não surgiu de repente, mas foi-se operando lentamente. Como qualquer ser vivo que, antes de atingir a forma que o distingue dos outros, passa por fases diversas, que lhe vão alterando as feições, as línguas, antes de... José Joaquim Nunes · 2 de outubro de 1998 · 12K
Antologia // Portugal Nas comédias em prosa e no verso heróico Este trecho é tirado do "Diálogo em defensão da língua portuguesa", e reproduz uma fala da personagem Petrónio, em resposta a Falêncio, que dizia ser a língua castelhana mais suave e bem-soante que a portuguesa, e tanto, que muitos Portugueses escreviam em castelhano. Pêro de Magalhães Gandavo · 10 de setembro de 1998 · 3K
Antologia // Portugal A graça da pronunciação A excelência da língua portuguesa é tal, que pode com muita justiça competir com a do seu engenho... Uma das razões por que é hoje a nossa língua portuguesa estimada por a mais excelente que as outras todas, é porque, sendo só (ela) capaz deste benefício, que não é a mais pequena excelência que nela noto, encorporou em si a graça da pronunciação e dos melhores vocábulos das outras, fazendo-se entre todas um ramalhete composto de diversas flores. Fernão Álvares do Oriente · 3 de setembro de 1998 · 2K
Antologia // Portugal A riqueza da nossa Língua Eu tenho em muito a (língua) portuguesa, cuja gravidade, graça lacónica e autorizada pronunciação nada deve (1) à latina, que vo-la exalça mais que seu império… Por isso eu quero raivar com os seus naturais, que a taxam difamando-a de pobre, e não lhe consentindo alfaiar-se do alheio, como que (2) o principal cabedal das copiosas não seja o mais dele emprestado; e a portuguesa, com o seu, é tão rica, que lhe achareis alfaias ricas, de que as outras carecem... Jorge Ferreira de Vasconcelos · 27 de agosto de 1998 · 3K
Antologia // Portugal Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,muda-se o ser, muda-se a confiança;todo o mundo é composto de mudança,tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades,diferentes em tudo da esperança;do mal ficam as mágoas na lembrança,e do bem – se algum houve – as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto,que já coberto foi de neve fria,e enfim converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia,outra mudança faz de mor espanto:que não se muda já como soía. Luís de Camões · 21 de agosto de 1998 · 24K
Antologia // Portugal Arminhos de folha corrida Portimão–Outubro–1901 Li com agudíssimo prazer a sua última carta e compadeci a dor das suas melancolias, atenuando-a na experiência do lírico: —...que não há ninguém, que possa sofrer um mal, sem se alembrar de algum bem... Ainda é do melhor que nos resta essa faculdade de forragear nas próprias mágoas, agora que a nossa mãe espiritual – para mim renegada – a França entendida, vai dançando rondas oficiais em volta da estátua do Paulo ... Manuel Teixeira Gomes · 30 de julho de 1998 · 3K
Antologia // Portugal Pastorale Rasgo as árvores até percebercomo foiantes das vogaise regresso a casa.Tenho um rebanho de palavras à minha esperaConheço-as bemcomo o cajado onde me encosto enquanto pensoCubro os ombros de Sol efico-me de longe a olhar o rebanho.As palavras correm livres pelo pastoÉ com as mãos que eu as chamoe elas vêm submissasÉ com as mãos que as afasto«Vão-se embora palavras»Magoadas, adormecem depois. Teresa Alvarez · 23 de julho de 1998 · 3K
Antologia // Portugal O tesouro público da Língua O que é o verso e a rima? É uma nova língua? É uma nova sintaxe?... Não há duas línguas num povo, nem duas sintaxes numa língua. O verdadeiro verso rimado é o que respeita profundamente o tesouro público da língua nos seus elementos e combinações estabelecidas ; não vive à custa da ordem, da propriedade e da clareza, devida ao espírito, que está em primeiro lugar; não acrescenta nem tira nada: fala como se costuma falar, diz o que se deve dizer; e, sem a mais pequena diferença da ... João de Deus · 16 de julho de 1998 · 3K
Antologia // Portugal Não sei nada Conheço as palavras pelo dorso. Outro, no meu lugar, diria que sou um domador de palavras. Mas só eu - eu e os meus irmãos - sei em que medida sou eu que sou domado por elas. A iniciativa pertence-lhes. São elas que conduzem o meu trenó sem chicote, nem rédeas, nem caminho determinado antes da grande aventura.Sim. Conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio. O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez inchar, rolar umas sobre as outras as palavras. As palavras são seixo... Ruy Belo · 9 de julho de 1998 · 4K