Antologia // Portugal Soneto Rudes e breves as palavras pesammais do que as lajes ou a vida, tanto,que levantar a torre do meu cantoé recriar o mundo pedra a pedra;mina obscura e insondável, quisacender-te o granito das estrelase nestes versos repetir com elaso milagre das velhas pederneiras;mas as pedras do fogo transformei-asnas lousas cegas, áridas, da morte,o dicionário que me coube em sortefolheei-o ao rumor do sofrimento:ó palavras de ferro, ainda sonho dar-vos a leve têmpera do vento.Carlos de Oliveira Carlos de Oliveira · 2 de março de 2007 · 4K
Antologia // Portugal Em Lisboa com Cesário Verde Nesta cidade, onde agora me sintomais estrangeiro do que os gatos persas;nesta Lisboa, onde mansos e lisosos dias passam a ver as gaivotas,e a cor dos jacarandás floridosse mistura à do Tejo,em flor também,só o Cesário vem ao meu encontro,me faz companhia, quando de ruaem rua procuro um rumor distantede passos ou aves, nem eu sei já bem.Só ele ajusta a luz feliz dos seusversos aos olhos ardidos que são os meus agora; só ele traz a sombradum ... Eugénio de Andrade · 23 de fevereiro de 2007 · 13K
Antologia // Portugal A palavra A palavra é uma estátua submersa, um leopardoque estremece em escuros bosques, numa anémonasobre uma cabeleira. Por vezes é uma estrelaque projecta a sua sombra sobre um torso.Ei-la sem destino no clamor da noite,cega e nua, mas vibrante de desejocomo uma magnólia molhada. Rápida é a bocaque apenas aflora os raios de uma outra luz.Toco-lhe os subtis tornozelos, os cabelos ardentese vejo uma água límpida numa concha marinha.É sempre um corpo amante e fugidi... António Ramos Rosa · 31 de janeiro de 2007 · 3K
Antologia // Portugal As Palavras São como um cristalas palavras.Algumas, um punhal,um incêndio.Outras, orvalho apenas.Secretas vêm, cheias de memória,inseguras navegam:barcos ou beijos,as águas estremecem.Desamparadas, inocentes,leves.Tecidas são de luze são a noite.E mesmo pálidasverdes paraísos lembram ainda.Quem as escuta? Quemas recolhe, assimcruéis, desfeitas,nas suas conchas puras? Eugénio de Andrade · 21 de dezembro de 2006 · 4K
Antologia // Portugal Que fizeste das palavras? Que fizeste das palavras?Que contas darás tu dessas vogaisde um azul tão apaziguado?E das consoantes, que lhes dirás,ardendo entre o fulgordas laranjas e o sol dos cavalos?Que lhes dirás, quandote perguntarem pelas minúsculassementes que te confiaram? Eugénio de Andrade · 13 de dezembro de 2006 · 6K
Antologia // Portugal O silêncio Quando a ternuraparece já do seu ofício fatigada,e o sono, a mais incerta barca,inda demora,quando azuis irrompemos teus olhose procuramnos meus navegação seguraé que eu te falo das palavrasdesamparadas e desertaspelo silêncio fascinadas. Eugénio de Andrade · 13 de novembro de 2006 · 5K
Antologia // Portugal Recomecemos então Recomecemos então, as mãospalma com palma.Diz, não digas, a palavra.As palavras terão sentido ainda?Haverá outro verão, outro marpara as palavras?Vão de vaga em vaga,de vaga em vaga vão apagadas.Seremos nós, tu e eu, as palavras?Onde nos levam, neste crepúsculo,assim palma com palma,de mãos dadas? Eugénio de Andrade · 12 de novembro de 2006 · 5K
Antologia // Portugal Agora as palavras Obedecem-me agora muito menos,as palavras. A propósitode nada resmungam, não fazemcaso do que lhes digo,não respeitam a minha idade.Provavelmente fartaram-se da rédea,não me perdoama mão rigorosa, a indiferençapelo fogo-de-artifício.Eu gosto delas, nunca tive outrapaixão, e elas durante muitos anostambém gostaram de mim: dançavamà minha roda quando as encontrava.Com elas fazia o lume,sustentava os meus dias, mas agoraestão arisca... Eugénio de Andrade · 6 de novembro de 2006 · 22K
Antologia // Portugal A palavra Heraclito de Epheso diz:«O pior de todos os males seriaA morte da palavra»Diz o provérbio do Malinké:«Um homem pode enganar-se em sua parte de alimentoMas não podeEnganar-se na sua parte de palavra» Sophia de Mello Breyner Andresen · 31 de outubro de 2006 · 3K
Antologia // Portugal Breve encontro Um poema que retrata a importancia das palavras quando expomos os nossos sentimentos. Sophia de Mello Breyner Andresen · 24 de outubro de 2006 · 4K