Antologia // Portugal Propriedade da Linguagem As palavras estrangeiras, entendendo por estrangeiras as que, não sendo portuguesas, não são contudo gregas nem latinas (ou árabes?), são de três espécies: a)As que são absolutamente estrangeiras e ou não susceptíveis de nacionalização (como whisky, kirsh, que são paralelas, na matéria, a apelidos estrangeiros e aos nomes de terras estrangeiras que não tiveram nome latino ou grego como o são às citações em língua estrangeira, que haja necessidade de fazer), ou podendo t... Fernando Pessoa · 12 de dezembro de 1997 · 8K
Antologia // Portugal Pureza da Linguagem Tudo que seja defender e preconizar a beleza e pureza da linguagem é um óptimo serviço feito às Letras. Não quer dizer que esse louvor, para quem o entenda em sentido mesquinho, deva fempecer a vida latejante, a poesia alada, a originalidade e a arte de cada publicista, prendendo-lhe o voo às rebuscadas do Léxico. Já Eça de Queiroz dizia a Camilo, na deliciosa carta póstuma, que Camilo não chegou a ler: "Falando de V. Exª, eu considero sempre a sua imaginação, a sua maneira de ver o mundo, o ... Júlio Brandão · 28 de novembro de 1997 · 3K
Antologia // Portugal Casa do Ser Língua, Casa do Ser que lá não mora,E, se chama, não está por morador,Que só em nós o verbo se demoraComo sombra de sol e eco de amor.Abrigo sim, porém sem tecto, foraDe torre ou porta, os muros no interior:Assim a Casa essente rompe à auroraPara se incendiar com o sol-pôr.É a noite o seu rápido alicerce,Enquanto Casa, que não Ser (aéreoO que nem isso é ia eu dizerNo hábito verbal que corta cerceA hastilha do jardim da Casa, etéreoMensageiro de fogo. Pode ser). Vitorino Nemésio · 31 de outubro de 1997 · 4K
Antologia // Portugal Lamentável sabujice A preferência do estrangeirismo ao idioma nacional «Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa, vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afectivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do Verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do carácter. Por isso o poliglota nunca é patriota.» [Eça de Queirós, in A Correspondência de Fradique Mendes, 2ª. ed. Porto, 1902. pág. 142] Eça de Queirós · 24 de outubro de 1997 · 8K
Antologia // Portugal Pobre vogal De todas as vogais portuguesas, a mais desgraçada é o e. Pouca gente, hoje em dia, a sabe pronunciar quando lhe vem à colação. Vejamos os casos em que deve valer i - sem que se ajude a cumprir esse dever. Um dos casos é aquele em que o pobre do e inicia palavra sem força bastante para merecer a designação de tónico. É o caso do e inicial átono... Toda a gente soube, até há pouco tempo, que o e in... João de Araújo Correia · 17 de outubro de 1997 · 3K
Antologia // Portugal A Pêro de Andrade Caminha - Carta III Teu nome, Andrade, de qu´é bem qu´esperem O de que se já sempre espantaram Quantos te vem, quantos despois vierem: Teu raro espríto, de que se honraram5 As Musas, que de si tanto te deram, E que tarde outro como a ti darão: Os bons escritos teus, que mereceram Ou ouro, ou cedro, pois já nessa idade ... António Ferreira · 3 de outubro de 1997 · 6K
Antologia // Portugal Língua Mater Dolorosa Tu que foste do Lácio a flor do pinhodos trovadores a leda a bem-talhadade oito séculos a cal o pão e o vinhode Luís Vaz a chama joalhadatu o casulo o vaso o ventre o ninhoe que sôbolos rios penduradafoste a harpa lunar do peregrinotu que depois de ti não há mais nada,eis-te bobo da corja coribântica:a canalha apedreja-te a semânticae os teus verbos feridos vão de maca.Já na glote és cascalho és malho és míngua,de brisa barco e bronze foste a língua;língua serás ainda... mas de vaca. Natália Correia · 26 de setembro de 1997 · 6K
Antologia // Portugal Os vínculos timorenses Praia presa, adiantadano mar, no longe, no círculode coral que o mar represa.Praia futura invocada.Timor ressurge das águas,praia futura invocada.Molho o meu sangue na almada bandeira que mais prezo,porque tenho nela a vozda minha candeia acesa.Sou transparente ao luarda minha candeia acesa.Senhor da terra, das águas,do ar e dos milheirais.Senhor Mãe e Senhor Pai,dai-me um desejo profundo.Que eu seja senho... Ruy Cinatti · 5 de setembro de 1997 · 5K
Antologia // Portugal Os vínculos portugueses Meu irmão, meu irmão branco,de cor, como eu também!Aceita a minha aliança.Bebe o meu sangue no teu.Se te sentires timorense,bebe o teu sangue no meu.Lenço enrolado nas mãos,apertadas, pele na palma.Não o quero maculado.Quero-lhe mais que à minh´alma.É penhor de uma aliança.Quero-lhe mais que à minh´alma.Tenho o meu coração presoa um símbolo desfraldado;um desenho atribuído,pelas minhas mãos hasteado.Não pi... Ruy Cinatti · 5 de setembro de 1997 · 4K
Antologia // Portugal Pátria Um caminho de areia solta conduzindo a partenenhuma. As árvores chamavam-se casuarina,eucalipto, chanfuta. Plácidos os rios tambémtinham nomes por que era costume designá-los.Tal como as aves que sobrevoavam rente o matagale a floresta rumo ao azul ou ao verde mais denso e misterioso, habitado por deuses e duendes de uma mitologia que não vem nos tomos e tratados que a tais coisas é costume consagrar-se. Depois, com valados, elevações e planuras, e ... Rui Knopfli · 29 de agosto de 1997 · 3K