Está em curso a ratificação, pela Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), de um acordo ortográfico. E as pessoas posicionam-se, umas a favor, outras contra.
Para se tratar este assunto, talvez seja pertinente lembrarmo-nos do que é a ortografia: a arte de escrever correctamente as palavras de uma língua. Mas o que significa correctamente? Neste contexto, correctamente significa «de acordo com uma norma institucionalmente estipulada». Como é do conhecimento geral, hoje escrevemos as palavras de forma diferente da que escreviam Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett, Eça de Queirós ou mesmo Fernando Pessoa, que faleceu já o século XX ia no seu segundo quartel.
E escrevemos de forma diferente devido a dois grandes momentos na história da ortografia portuguesa: o sistema simplificado de Gonçalves Viana adoptado em 1911 e o acordo ortográfico de 1945, entre Portugal e o Brasil, protagonizado, da parte de Portugal, pelo professor Francisco Rebelo Gonçalves, o grande mestre de Coimbra, autor do Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947) e, posteriormente, do Vocabulário da Língua Portuguesa (1966).
Ultimamente, várias têm sido as tentativas de pôr em prática um novo acordo, que também tem por objectivo a simplificação das palavras. Simplificar e uniformizar são os dois grandes objectivos de um acordo entre os países cuja língua é o português. Assim, a propósito do acordo ora em fase de ratificação e que tem suscitado discussão — o Novo Acordo Ortográfico, de 1990 —, deverá dizer-se que, no que respeita à simplificação da ortografia, foram dados alguns passos (nomeadamente a supressão das consoantes mudas ou não articuladas), mas que, no que respeita à uniformização, muito há ainda por fazer, pois este acordo, por um lado, apenas recuperou alguns dos aspectos do acordo de 1945 que não tinham sido postos em prática no Brasil (por exemplo, a supressão do trema ou a omissão do acento agudo na terminação eia) e, por outro, consignou as duplas grafias, o que compromete, naturalmente, a tão falada uniformidade e fará com que daqui a alguns anos se esteja, certamente, de novo a falar em acordo. Nesse acordo de 1945, estipulava-se claramente o seguinte (Parte primeira, III): «Não se consentem grafias duplas ou facultativas. Cada palavra da língua portuguesa terá uma grafia única.» Mas, neste de 1990, está consignada a dupla grafia.
Quem defende o Acordo deverá compreender que a língua é sentida como um património pertença de um povo, sendo naturais as resistências emocionais às alterações, pelo que talvez essa defesa seja mais eficaz se apresentar desapaixonadamente as vantagens da simplificação da ortografia e não esgrimir o argumento do mérito da «ortografia unificada», pois, ferindo esse argumento um certo conceito de patriotismo em que avulta a noção de que a língua é parte da nossa identidade, não devendo, pois, ser alterada em função de interesses políticos, materiais ou outros, em rigor, neste acordo, a tal uniformidade não existe em absoluto.
O que se propõe no acordo relativamente à simplificação da ortografia será o próximo assunto que aqui trataremos.
artigo publicado no Diário do Alentejo de 9 de Maio de 2008, na coluna A Vez... ao Português