Lusofonia em dicionário - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Lusofonia em dicionário

Com ou sem aprovação do Acordo Ortográfico - que terá agora de ser assinado pela totalidade dos países que integram a CPLP, conforme ficou estabelecido na cimeira que decorreu em 1998, na cidade da Praia -, o encerramento dos 500 anos dos Descobrimentos portugueses vai ficar também assinalado com a publicação de um ou, na melhor das hipóteses, de dois dicionários (ambos com o patrocínio financeiro da Gulbenkian) e que abrangem o universo da lusofonia.

Por diversas vezes, nesta coluna, abordei a tão esperada edição do Dicionário do Português Contemporâneo, da Academia das Ciências, elaborado por uma equipa a cargo de Malaca Casteleiro, reconhecida autoridade na matéria. Recordo que Pina Martins, presidente da Academia das Ciências, já salientou, em várias declarações recolhidas no Diário de Notícias, que a publicação daquele dicionário constitui "um dos objectivos prioritários do programa de actividades culturais a levar a efeito por aquela instituição". 

Mas até ao final do ano está garantida a publicação do Dicionário Geral da Língua Portuguesa, foi iniciado por António Houaiss, em 1986, interrompido com a morte do autor e depois prosseguido e coordenado por Mauro de Salles Vilar. Reunirá um acervo vocabular de 280 mil entradas, com registo de regências, locuções, datações, etimologia, sinonímia, antonímia, paronímia. 

Pela sua dupla apresentação - impressa e electrónica - e pelo aprofundamento que pretende atingir, tudo faz supor que o Dicionário Geral da Língua Portuguesa deverá colocar a lexicografia da língua portuguesa à altura das línguas mais difundidas modernamente. Os mais opulentos dicionários da língua portuguesa não atingem 120 mil entradas, embora o vocabulário da Academia Brasileira de Letras (organizado também por António Houaiss, em 1981) registe 400 mil palavras. Para alcançar a desejada amplitude, tornou-se essencial a colaboração de um grupo de trabalho com a tarefa de "lusofonizar" este Dicionário Geral da Língua Portuguesa. Daí a introdução de lusismos, regionalismos portugueses, africanismos e asiaticismos. Também está a ser preparada uma edição portuguesa, dadas as diferenças próprias de acepções e ortografia existentes entre o português falado no Brasil e o português falado em Portugal. Não faltará a adaptação dos "exemplos de uso" das diversas acepções das palavras, entre o português do Brasil e o português europeu. (Dos casos mais sintomáticos assinalamos "dirigir um automóvel"/"conduzir um automóvel", "trem"/"comboio", etc.). 

Não é novidade para ninguém - o desaparecimento progressivo da língua portuguesa em vários locais. Um é a Índia; outro é Macau; ainda outro é Timor. Seria no mínimo absurdo ocultar os numerosos problemas que se acentuam nos países de emigração. Também não se podem esquecer (devido à hegemonia de economias mais poderosas e de sociedades mais desenvolvidas em países contíguos) os riscos da penetração crescente, por exemplo, do francês na Guiné e do inglês em Moçambique. Do inglês em Timor. 

Apesar de tudo isto, num elenco das dez principais línguas, está provado que o português é a terceira língua mais utilizada no Ocidente. Como língua materna falado em Portugal e no Brasil e adoptado como língua oficial em mais cinco outros países espalhados em três continentes, figura, em quinto lugar, entre as mais representativas línguas do mundo. Há mais de um milhão de emigrantes portugueses, moçambicanos e angolanos na África do Sul e outros países limítrofes; a diáspora cabo-verdiana é mais numerosa do que a população do arquipélago; o português é a décima língua mais falada nos Estados Unidos por cerca de 430 mil emigrantes de várias proveniências. Existem milhares e milhares de falantes da língua portuguesa radicados em França, na Alemanha, no Luxemburgo, na Venezuela e no Canadá, para nos cingirmos a alguns dos principais países de emigração. 

O projecto já conhecido deste dicionário, marcado pela figura tutelar de António Houaiss, que tive o privilégio de ser admirador e amigo, durante muitos anos, permite concluir que representa um significativo contributo para intensificar ou promover a utilização e consolidação do português como língua oficial e como língua de trabalho.

Fonte

Artigo publicado no matutino português «Diário de Notícias» do dia 26 de Março de 2000.

Sobre o autor

António Valdemar (Ilha de São Miguel) é investigador, professor de Jornalismo e jornalista, tendo iniciado esta sua segunda atividade no ano de 1957 no República. Postumamente exerceu a mesma função em jornais como Diário de Lisboa, no Diário de Notícias e no A Capital. Paralelamente, e recorrendo aos saberes jornalísticos, António Valdemar publicou livros, destacando-se, Ser ou Não Ser Pelo Partido único (1973), Garrett, vida e Obra (1999), Nemésio, sem limite de idade (2002).