Deverá dizer-se a Opus Dei ou o Opus Dei?
Vou referir-me em primeiro lugar à instituição Opus Dei e de seguida ao termo latino.
Quando se fala da obra, da prelatura, da instituição, da organização católica intitulada Opus Dei, deverá utilizar-se o artigo no feminino: a Opus Dei.
Isto porque está a ser referida uma instituição (género feminino), uma organização católica (género feminino), que, por acaso, tem como nome uma expressão latina neutra.
Esse artigo no feminino revela que está a ser referido algo que é feminino: uma obra (membros da Opus Dei também designam a organização como «a Obra»), uma organização, uma prelatura.
Ora os nomes próprios de instituições são designados com o artigo no masculino ou no feminino consoante essa instituição é concebida como uma entidade masculina ou feminina. Ao ser fundada, a Opus Dei foi fundada como uma organização, uma organização de pessoas.
Exemplos:
1. a Académica (feminino), pois tem como referente a Associação Académica de Coimbra: esse “a” designa a associação; os seus fundadores criaram uma associação;
2. a União de Leiria (feminino), pois tem como referente a União Desportiva de Leiria: foi o facto de terem fundado uma união que levou à presença do artigo no feminino;
3. o União de Coimbra (masculino), pois tem como referente o Clube de Futebol União de Coimbra: o que foi fundado foi um clube;
4. o Montepio, pois este termo é formado de monte + pio (monte = soma de bens; pio = piedoso) e começou por designar um organismo criado para se constituir um monte de bens (somas de dinheiro, bens diversos e, primitivamente, até alimentos) destinado a auxiliar as pessoas necessitadas e a combater os abusos da usura;
5. a Jerónimo Martins (e a generalidade das firmas ou empresas), com o artigo no feminino, pois tem como referente a firma;
6. a a Metro Mondego, uma sociedade que pretende construir o metropolitano em Coimbra: apesar da palavra “metro” do título ser masculina (o metro, o metropolitano), o título é precedido pelo artigo no feminino, pois designa uma sociedade;
7. o “Dolce Vita” (centro comercial em Coimbra): apesar de “dolce vita” ser uma expressão italiana no feminino, a designação contém o artigo no masculino, pois tem como referente um centro comercial;
Em cada designação de uma organização, de uma instituição, de um organismo, etc., surge, então, o artigo no masculino ou no feminino, no singular ou no plural, em função da forma como essa instituição foi concebida ou do tipo de instituição em causa, que se considera subentendido, precedendo o nome próprio. Os seus fundadores ou criadores normalmente determinam se se trata de um organismo, de uma sociedade, de uma associação, de um clube, de uma firma, etc. e atribuem-lhe um género de acordo com a sua natureza.
Especificando, no caso de Opus Dei, esta expressão foi utilizada como título de uma revista portuguesa fundada pelo monge beneditino Dom António Coelho em 1926 e publicada até 1937. Tratava-se de uma revista (feminino), que por acaso tinha como título Opus Dei, mas a revista não era obra de Deus; não foi Deus quem escreveu aqueles artigos, quem a mandou imprimir, etc., portanto, não se podia considerar «o Opus Dei».
Em 1928, em Espanha, Josemaría Escrivá de Balaguer y Alvás fundou a organização católica Opus Dei. Esta organização em Espanha é referida como «el Opus Dei». Mas, não se poderá dizer que foi Deus quem criou materialmente essa instituição ou que seja efectivamente o seu possuidor; não é «obra de Deus», mas obra de homens, e o papa João Paulo II consagrou-a como “La Prelatura de la Santa Cruz y Opus Dei” (feminino). Quando em Portugal se está a falar da Opus Dei, pensa-se na organização, na prelatura, na obra, que, por acaso, é designada de Opus Dei, mas não se pensa que aquela organização é «obra feita por Deus», «obra de Deus», «obra pertença de Deus». Assim, na tradução para o português, deverá seguir-se a regra geral relativa aos títulos em português, que assumem o género de acordo com a natureza da instituição que designam.
Focando agora o termo latino Opus Dei, em certos contextos, pode aceitar-se que os falantes queiram referir-se à obra de Deus, à obra pertencente a Deus, à obra feita por Deus e, nesse contexto, é correcto dizer-se «o Opus Dei», como se diz que a Sinfonia n.º 9 de Beethoven é «o opus 125» ou quando é referido «o opus magnum» de um autor. É «o opus 125» ou quando é referido «o opus magnum» de um autor. Só que neste caso não se está a designar a instituição, mas a caracterizá-la, o que é diferente.
Opus é um termo neutro latino no nominativo e dei é o genitivo de deus, dei, que significa «de deus», «pertencente a Deus».
A palavra opus em latim é neutra. No latim havia três géneros gramaticais: o masculino, o feminino e o neutro. A língua portuguesa, conforme a generalidade das línguas modernas, só manteve dois géneros nos substantivos – o masculino e o feminino – e transformou, de um modo geral, o género neutro latino em género masculino. No português arcaico ainda temos mar como palavra feminina, proveniente do neutro latino mare, maris, mas no português moderno os neutros latinos são considerados masculinos.
Então, como é que a palavra portuguesa obra é feminina, se provém de um termo neutro latino (opus)? E não é exemplo único. Podem juntar-se a esta, por exemplo, as palavras femininas arma, ferramenta, festa, folha, maravilha, vestimenta.
O que se passou foi que alguns neutros latinos deram origem a palavras femininas em português porque estas palavras não provêm do singular, mas do plural neutro terminado em “a”, que no baixo latim foi confundido com o singular da primeira declinação: arma é um plural neutro latino, que originou o singular português «a arma»; festa (neutro latino) é o plural de festus e originou o singular «a festa»; folia (neutro latino) é o plural de folium e originou o singular «a folha»; ferramenta (neutro latino) é o plural de ferramentum (= utensílio de ferro) e originou o singular «a ferramenta»; opera (neutro) é o plural de opus e originou os singulares «ópera» e «obra».
Como se verifica, o neutro latino não é forçosamente um masculino; não é conceptualmente um masculino. O que era neutro tanto pode ser masculino como feminino; trata-se de uma convenção. Exemplo disso são as palavras mar (português – «o mar») e mer (francês – «la mer»), que provêm do mesmo neutro latino (mare, maris).
Em conclusão, no que diz respeito ao termo Opus Dei, considero dever utilizar-se o feminino (a Opus Dei) se se está a referir o título, se se está a designar a organização (que é o que acontece na generalidade), podendo aceitar-se o masculino se se pretender caracterizar a organização como uma «obra de Deus», uma «obra feita por Deus», uma «obra pertença de Deus», um opus Dei.