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Pelourinho

Fiquem-se com a ideia

Recentemente, o primeiro-ministro declarou: «Em 2010, 10% do total de combustível gasto nos transportes deverá ser biocombustível» (Visaoonline, 24-1-07). Afirmou também, a respeito do aeroporto em Beja: «As obras deverão estar concluídas em menos de dois anos» (TSF: 28/1/07).

O futuro verbal exprime a posterioridade do evento em relação ao momento em que se fala e, portanto, uma frase no futuro projecta no tempo algo que não existe (ainda) e que pertence ao mundo das expectativas e das predições. O locutor, ao produzir uma frase com referência de futuro, está, em maior ou menor grau, convencido da ocorrência da acção num tempo ulterior àquele em que está a falar.

E, justamente, a língua oferece meios para dosear essa crença na ocorrência futura do evento. No presente simples a acção futura é dada como certa: «Em dois anos as obras estão concluídas.» O mesmo acontece se recorrermos ao presente perifrástico: «10% do combustível gasto nos transportes vai ser biocombustível.» Mas o valor de certeza enfraquece com o futuro simples: «As obras estarão concluídas daqui a dois anos.»

É certo que o locutor usa o futuro simples porque se encontra numa situação formal, mas esse facto não anula o efeito de redução do grau de certeza. E, para além disso, entra numa e noutra frase o verbo modal dever: «deverá ser»; «deverão estar». Qual a função deste verbo aqui? Quer dizer que o gasto de biocombustível em 10% é uma necessidade ou uma possibilidade? Que a conclusão das obras é uma possibilidade ou uma necessidade? Ou que é uma possibilidade que o primeiro-ministro tem poderes para tornar necessária e obrigatória?

Não se sabe. Fica-se só com a ideia.

Fonte

*in semanário Sol de 3 de Fevereiro de 2007

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa