A frase «um terço dos estudantes já foram vítimas de violência», constante no titulo da primeira página do “Diário de Notícias” de 22 de Setembro p.p. – frase, de resto, repetida na primeira página do jornal “Público” desse mesmo dia, 22 de Setembro – diz respeito a uma das áreas críticas da língua.
É um dos casos de sujeitos de estrutura complexa, constituídos por um núcleo principal (metade, terço, maioria, parte) e uma expressão encaixada (dos alunos, das pessoas...).
Há gramáticos que consideram que, quando o sujeito é constituído por uma expressão partitiva (de que “um terço” é exemplo) e um substantivo ou um pronome no plural, o verbo pode ir para o singular ou para o plural. Os mesmos gramáticos acrescentam – com abonação de frases de autores consagrados – que essa escolha de singular ou plural tem que ver com uma determinada intenção: “Deixamos o verbo no singular quando queremos destacar o conjunto como uma unidade. Levamos o verbo ao plural para evidenciarmos os vários elementos que compõem o todo.” – escrevem Celso Cunha e Lindley Cintra na pág. 496 da Nova Gramática do Português Contemporâneo.
A concordância com o núcleo encaixado consiste numa concordância pelo sentido, ou silepse.
Ora, numa perspectiva normativa – e não apenas descritiva – deverá defender-se como regra o uso do singular nestas situações, pelos seguintes motivos:
1.º – São poucos os exemplos de escritores apresentados em gramáticas abonando o uso do plural (alguns autores brasileiros e alguns autores portugueses anteriores ao século XX) e, por vezes, há hesitações entre o plural e o singular.
2.º – Por outro lado, trata-se de escrita literária, criativa, artística, que permite a utilização de processos enfáticos, o realce de determinados termos em relação a outros. Assim, pelos pontos 1.º e 2 º , as abonações desses escritores deverão ser consideradas com alguma reserva.
3.º – Normalmente, quando se utiliza uma expressão partitiva é porque importa esse conjunto particular (a metade, o terço), que, aliás, figura em primeiro lugar («um terço dos estudantes»), sendo, pois, rara a situação em que se pretende «evidenciar os vários elementos que compõem o todo» («os estudantes»).
4.º – A utilização do singular é a que respeita a concordância com o núcleo principal da construção, com o seu núcleo sintáctico.
5.º – Se se transformar a frase em duas, subentendendo-se, na segunda, o núcleo encaixado, é visível a impossibilidade do emprego do verbo no plural, sentido como totalmente marginal. Exemplos:
(1) «Um terço dos estudantes já foi vítima de violência.» = «Há muitos estudantes no país. Um terço já foi vítima de violência.» (e nunca: «Um terço já foram vítimas de violência.»)
(2) «Um terço das pessoas que vivem nas cidades tem fracos rendimentos.» = «Há pessoas que vivem nas cidades. Um terço tem fracos rendimentos. » (e não: «Um terço têm fracos rendimentos.»)
Concluindo: ao contrário do que fez o “Diário de Notícias” (e o “Público”, já agora…), neste tipo de frases, deve usar-se o singular, que respeita a norma sintáctica, evitando-se a concordância pelo sentido.