Estamos cientes de que existem interpretações, feitas num quadro tradicional, que consideram que uma partícula expletiva. Não é, todavia, este o nosso entendimento. Nesta interpretação, seguimos de perto a análise proposta por Raposo et al., na sua Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, onde se afirma que existem «cinco subclasses de advérbios que selecionam complementos (nos exemplos a seguir, sublinham-se os complementos): (i) alguns advérbios em -mente que preservam o complemento selecionado pelos adjetivos de que derivam (cf. paralelamente à avenida); (ii) advérbios como dentro, fora, perto, chamados advérbios relacionais, que se combinam com uma preposição, formando uma locução prepositiva (cf. fora da estação [...]); os advérbios mais, menos e tão/tanto, em construções comparativas (cf. o Pedro é mais alto do que a Maria); alguns advérbios avaliativos que podem ocorrer como predicadores selecionando um complemento oracional (cf. felizmente que a Maria já voltou); (v) alguns advérbios que funcionam como conjunções subordinativas adverbiais i. e., que selecionam complementos oracionais e formam juntamente com esses complementos uma oração subordinada adverbial (cf. [sempre que a Maria espirra], o Pedro tosse). [...] Tal como acontece com nomes e adjetivos, os complementos não oracionais dos advérbios são obrigatoriamente introduzidos por uma preposição, ou seja, são sintagmas preposicionais (cf. o carro estava perto da estação vs. *o carro estava perto a estação).» (p. 1584, destaque nosso).
Assim, numa perspetiva sintática, consideramos que alguns advérbios podem ocorrer em posições distintas. No caso do advérbio felizmente, este pode surgir como modificador de frase (numa posição periférica) ou ser predicador, pedindo um complemento (neste caso, oracional).
Neste quadro, também se considera que o advérbio quase pode ser combinado com que (Idem, Ibidem, p. 1665), o mesmo sucedendo com a preposição desde (com valor espacial e temporal) (Idem, Ibidem, p. 1680), tal como acontece com outros advérbios que surgem em construções que estão já mais cristalizadas na língua (ainda que, assim que, logo que, sempre que, etc.) (Idem, Ibidem). O mesmo se aplica à locução «com certeza», equivalente a certamente.
O caso da frase interrogativa «Como que vocês fazem isso comigo?», é diferente. No português europeu, dir-se-á «Como é que vocês me fazem isso?» Neste caso, «é que» é sinal de estrutura clivada, a qual permite manter a ordem Sujeito-verbo numa frase interrogativa (Idem, ibidem, p. 2546).»
Ler: "Três perspetivas em diálogo", "A classificação de que em 'felizmente que ele chegou' I" e "A classificação de que em 'felizmente que ele chegou' III".