Trabalho publicado no jornal português i, em 2/06/2014, sobre o lançamento da plataforma que acolhe o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC), bem como os vocabulários ortográficos nacionais dos países que têm o português como língua oficial (CPLP). Nele incluído, transcreve-se igualmente (em baixo) uma curta entrevista com o diretor executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, Gilvan Müller de Oliveira. Manteve-se a antiga ortografia usada no original.
Um vocabulário comum aos países de língua portuguesa foi a exigência para aplicar o acordo ortográfico. Versão final é lançada a 22 de Julho
Já todos se foram habituando às faltas dos "c" e dos "p" nas palavras portuguesas que se têm vindo a adaptar ao novo acordo. Mas como criar um vocabulário comum é mais do que impor regras, os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) lançaram uma plataforma que dá a conhecer a cultura linguística de cada país. São mais de 300 mil palavras, desde as que são comuns aos oito países até àquelas específicas de Portugal, Brasil, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Timor-Leste, Guiné e Angola.
O Vocabulário Ortográfico Comum (VOC) é uma base de dados disponível online para que todos possam consultar o banco de palavras a que se aplicam as regras do acordo. Apesar de estar ainda numa primeira fase, o vocabulário está já etiquetado com as regras linguísticas de cada palavra, assim como a sua origem e quais são os países em que se usa de forma mais frequente. O resultado final será lançado a 22 de Julho durante a cimeira de chefes de Estado da CPLP, a realizar em Díli.
A criação da plataforma esteve a cargo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), que juntou equipas especializadas de cada país, de modo a que o trabalho fosse uniformizado. Gilvan Müller Oliveira, director executivo do instituto, explica ao i que para alguns países esta foi a primeira oportunidade de preparar um vocabulário nacional. «Excluindo Portugal e Brasil, nenhum dos outros Estados tinha tradição na área, não existiam equipas técnicas preparadas, nem sequer um vocabulário organizado», conta, referindo que isso trouxe dificuldades, mas também vantagens.
«Foi um trabalho riquíssimo e de grande descoberta linguística, mas exigiu alguma negociação diplomática», admitiu Müller Oliveira. Guiné e Angola vão ficar por enquanto de fora do projecto apresentado este ano, mas espera-se que tenham trabalho para mostrar em breve. Angola, que ainda não tinha ratificado o acordo, já não vê impedimentos para fazer isso. O comunicado da última reunião do conselho científico do IILP «não identifica quaisquer estrangulamentos e constrangimentos na aplicação do acordo ortográfico». Gilvan Oliveira ressalva que, apesar de Angola ter financiado grande parte do trabalho, não tem ainda o seu vocabulário preparado para integrar a plataforma, estando o seu Ministério da Educação a trabalhar nas contribuições linguísticas. Assim, em Julho, o projecto juntará apenas os vocabulários de Portugal, Brasil, Moçambique, Timor, São Tomé, recentemente terminado, e o de Cabo Verde, em fase final de preparação.
Origem O VOC foi criado tendo como base a plataforma digital portuguesa, que juntou inicialmente o vocabulário de Portugal e do Brasil. Dois dos quatro membros da equipa portuguesa integram também o núcleo central de coordenação do projecto. Margarita Correia revela ao i que têm sido anos de "intensa pesquisa e descoberta sobre a língua portuguesa". A coordenadora portuguesa explicou ao i que o acordo inicial estipulou que cada país faria um levantamento individual de documentação que inclui legislação, literatura, peças jornalísticas, textos científicos e técnicos sobre temas como as pescas, a agricultura, o meio ambiente e a saúde. Esse acervo foi recolhido de forma digital, do qual foram retiradas todas as palavras que dão origem a uma lista organizada por ordem de frequência com que a palavra é usada no país: «Nenhum dicionário tem a totalidade das palavras e nós também não vamos ter. Escolhemos a frequência como um dos critérios mais importantes, mas todos os vocábulos são revistos manualmente para que os imprescindíveis não faltem na lista final.»
Palavras banais como "casa", "mãe" ou "jornal" são comuns às oito comunidades, mas a plataforma agrega também todas as que são específicas de cada país. O site reconhece a localização do computador, abrindo a lista de palavras desse país, que é identificado por uma bandeira que serve de marcador. Uma nona bandeira, a do IILP, dá acesso à totalidade das palavras, surgindo também termos timorenses como "baju" ou o "machimbombo" moçambicano. Para Gilvan Oliveira, esta é «uma nova forma de gestão da língua portuguesa», aproveitando para recordar que «5% da riqueza linguística do mundo está nos países da CPLP».
Gilvan Müller de Oliveira
"Vocabulário comum é um novo modo
de gestão da língua portuguesa"
Gilvan Müller de Oliveira Director executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa “Vocabulário comum é um novo modo de gestão da língua portuguesa”
Qual a importância do Vocabulário Ortográfico Comum (VOC) para os países que o integram? O VOC terá mais de 300 mil entradas da língua portuguesa. Será a primeira grande base de dados do vocabulário português, composta por alguns países que não tinham sequer o seu vocabulário nacional registado
O que o VOC traz de novo? É um novo modo de gestão da língua portuguesa, com uma participação conjunta. Além da junção dos vocabulários dos oito países da CPLP, terá informações novas como a flexão das palavras e toda a grafia adaptada, aquilo que anteriormente era chamado de estrangeirismo.
Como foi desenvolvido o trabalho? A então ministra Gabriela Canavilhas cedeu o vocabulário português e a base electrónica. Juntamos o vocabulário do Brasil e desenvolvemos os dos restantes países. Seguiram-se várias reuniões com especialistas e um grande acompanhamento técnico para que saísse um trabalho uniformizado.
Quais foram as principais dificuldades? Foi precisa uma grande negociação diplomática. Além disso, lidamos com países sem tradição na área linguística, nem qualquer trabalho prévio.
Quais foram os países a apresentar mais problemas? Angola financiou parte do trabalho mas o vocabulário ortográfico do país ainda não está concluído, trabalho que tem sido feito sem diálogo com a equipa central. A Guiné tem vivido tempos de tumultos políticos e sociais e não participa em actividades do IILP há quatro anos.
[Sobre este mesmo assunto, veja-se a entrevista de Gilvan Müller de Oliveira no "Jornal de Letras" de 15 de maio de 2014: "Uma língua (mais) comum". E, ainda, toda a suplementar informação registada no encontro-videoconferência realizado sob os auspícios do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, realizado no dia 28 de maio de 2014, na cidade da Praia.]
Reportagem publicada no jornal português i, em 2/06/2014