«[N]o seu significado corrente genocídio designa a destruição (ou tentativa) de uma etnia ou grupo nacional [...].»
1. Costuma dizer-se que a primeira vítima das guerras é a verdade, mas há outra vítima não menos evidente, que é o abastardamento bélico de noções carregadas de sentido acusatório, como sucede hoje em dia, na guerra da Ucrânia, com a banalização da noção de genocídio.
Instrumentalizada primeiro pela Rússia para justificar a invasão da Ucrânia, com base num alegado "genocídio" da minoria russa no Dombass, a noção é agora utilizada como arma de guerra ideológica por Kiev e por Washington, com base num alegado "genocídio" do povo ucraniano às mãos do invasor.
Ora, por maior que tenha sido a flagelação ucraniana da minoria russófona no Donbass desde 2014 e por maior que seja a violência das tropas russas sobre a população ucraniana nas cidades sob ataque, a verdade é que nenhuma dessas situações preenche a noção de genocídio.
2. Com efeito, no seu significado corrente genocídio designa a destruição (ou tentativa) de uma etnia ou grupo nacional; e na definição do correspondente "tipo legal de crime" no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional e na lei penal nacional a noção significa os atos de violência contra civis «praticados com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, rácico ou religioso, enquanto tal».
Sublinhei as palavras intenção, grupo e «enquanto tal», porque eles são essenciais na definição, não deixando dúvidas sobre os casos históricos mais dramáticos, como o genocídio judaico às mãos do nazismo alemão, que vitimou milhões de pessoas, por serem judeus, ou o genocídio no Ruanda, em 1994, que vitimou mais de meio milhão de pessoas da etnia tutsi.
Ora, parece evidente que nem no caso ucraniano nem no caso russo se verificam os referidos elementos da noção de genocídio, pois nem a Ucrânia visava aniquilar a minoria russófona, enquanto tal, mas sim submetê-la politicamente, nem a Rússia se propõe dizimar o povo ou a nação ucraniana, enquanto tal, mas sim conseguir do governo ucraniano concessões políticas bem identificadas.
Entre os malefícios da guerra, bastam a destruição de vidas, de haveres e de património, não sendo preciso acrescentar o abuso ou a banalização de conceitos bem tipificados, que só perdem força ao serem descaracterizados.
Publicação do blogue Causa Nossa em 16 de abril de 2022. Texto scrito segundo a norma ortográfica de 1945.