«[Nos países africanos de língua oficial portuguesa] professores e professoras destacam a enorme distância entre a norma de ensino da escola, geralmente decalcada de Portugal, e a norma de uso corrente em seu contexto social, o que tem gerado altos índices de baixa aprendizagem, reprovação e evasão escolar.»
A grande diversidade social, linguística e cultural que caracteriza a língua portuguesa tem sido referida como um dos nossos maiores ativos e cada vez mais valorizada pelas instâncias políticas e governamentais dos países membros da CPLP. O caráter pluricêntrico da língua representa de modo objetivo essa diversidade, uma vez que revela o complexo sistema de normas do português, que nem sempre mantêm entre si uma relação de simetria, mas que coexistem e se desenvolvem a partir dos usos de seus falantes. O pluricentrismo do português, desse modo, traz muitas vantagens para a sua comunidade e seus governantes em relação à difusão da língua, ao seu ensino e à sua valorização como língua de comunicação global, mas por outro lado traz muitos desafios, especialmente para o campo da educação. Isso porque nem todas as normas do português foram até o momento adequadamente descritas, estudadas e compreendidas do ponto de vista da sua vitalidade e desenvolvimento, como as dos Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP) e de Timor-Leste.
Em outras crônicas deste Programa, eu já havia ressaltado a enorme efervescência das discussões sobre o ensino do português em contextos de língua materna e não materna, especialmente nos PALOP, e a consciência dos professores desses países de que as suas normas nacionais devem ser consideradas nas políticas linguísticas governamentais para a educação básica e a formação de professores. Entre outros aspectos, professores e professoras destacam a enorme distância entre a norma de ensino da escola, geralmente decalcada de Portugal, e a norma de uso corrente em seu contexto social, o que tem gerado altos índices de baixa aprendizagem, reprovação e evasão escolar. Em parte, como consequência desse problema, muitas são as pesquisas desenvolvidas nos últimos anos, e outras em processo de desenvolvimento, realizadas por jovens pesquisadores(as) dos PALOP, em programas de pós-graduação nacionais ou, em maior número, em instituições portuguesas e brasileiras. Esses jovens trabalham em estudos de descrição linguística, discutem políticas linguísticas adequadas para os seus países, desenham perspectivas para a formação de professores de língua portuguesa, a produção de materiais didáticos e o desenvolvimento de currículos, entre outros aspectos. Uma verdadeira ebulição de conhecimento autêntico, apaixonado e altamente contextualizado.
Alguns estudos1 já mostram que a expansão da língua portuguesa em termos de número de falantes tem o seu futuro nos PALOP, já que as projeções demográficas para 2100, por exemplo, apontam Angola e Moçambique juntos com 49,4% dos falantes de português, o Brasil com 45,9% e todos os outros países restantes com 4,6%. Se o português no futuro terá o seu centro geopolítico no continente africano, com certeza serão esses jovens pesquisadores que agora despontam os responsáveis por formar as futuras gerações para esta realidade.
1OLIVEIRA, G.M. (2016) O Sistema de Normas e a evolução demolinguística da Língua Portuguesa. In ORTIZ, Maria Luisa Álvarez e Gonçalves, Luis (Orgs.) O Mundo do Português e o Português no Mundo afora: especificidades, implicações e ações. Campinas, Pontes, pp. 25-43.
[AUDIO: Edleise Mendes – Jovens pesquisadores e o futuro da língua portuguesa nos PALOP]
Crónica incluída no programa Páginas de Português de 27 de março 2022.